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terça-feira, 14 de abril de 2020

COVID-19

Faz algum tempo que não escrevo em meu blog. Com os últimos acontecimentos relacionados com a atual pandemia do coronavírus e em contato com um de meus antigos alunos do seminário, fui motivado a produzir esse post. Desejo lançar algum feche de luz nessa escura situação que nos encontramos. 

Não é de hoje que as pessoas pensam estar vivendo os últimos momentos da história diante de acontecimentos globais com grande magnitude. Essa não é a primeira pandemia e penso que não será a última. Costumamos, nessa hora, correlacionar acontecimentos à luz de alguns textos bíblicos. Isso aconteceu com a virada do ano 999 para o ano 1000, se repetiu quando a peste negra assolou a Europa medieval, no período da Guerra Fria, com os atentados de 11 de setembro, com o tsunami em 2004, no início do ano com as chuvas em Minas Gerais e agora com o coronavírus. 

Usar o Dilúvio, a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra como exemplos de juízo de Deus realizado na história, não serve como salvo para correlacionarmos acontecimentos atuais, como a pandemia do coronavírus e dizer que esta seja também um juízo de Deus. Não temos nenhuma voz que nos autorize tal declaração. Não possuímos nenhuma espécie de revelação que diga isso. Se o texto bíblico não nos disse que o Dilúvio foi mais que uma inundação de proporções inimagináveis, mas sim um juízo de Deus, e que Sodoma e Gomorra não desapareceram do mapa por meio naturais, mas sim pela ira do criador, não teríamos como afirmar que tais acontecimentos foram o que foram pela simples evidência histórica. A revelação não está no acontecimento em si, mas naquilo que Deus diz sobre ele. Assim, a pandemia atual não é outra coisa senão uma pandemia, nada mais nada menos. 

Contudo, temos que enxergar os acontecimentos dos últimos meses à luz da escatologia bíblica do primeiro século. De acordo com o Novo Testamento, o fim será concluído e não iniciado. O fim já foi inaugurado com o aparecimento de Jesus e os acontecimentos que se desdobraram em sua vida, morte, ressurreição, ascensão e derramar do Espírito. Qualquer acontecimento agora está dentro de um fim já inaugurado, mas ainda não concluído. Logo, não deveríamos nos espantar com algo fora do comum como se isso fosse um sinal maior do que os narrados na carreira de Jesus. O mundo deixou de ser o mesmo quando da morte e ressurreição de Jesus. 

Esse isolamento social nos fez perceber como tínhamos algo ao nosso redor que na maioria das vezes não demos a devida atenção, a comunhão com os irmãos no culto público. Diversos líderes ficavam se questionando sobre a melhor estratégia para agregar jovens e adolescentes na igreja. Quanto mais inusitada, melhor. Quantas pessoas não perguntavam se haveria alguma programação diferente na igreja ao longo do mês, para com isso, resolver se participariam ou não. Muitos deixaram de estar nos cultos ao saberem que só haveria pregação, hinos, oração e comunhão. Há, comunhão! Algo que tanto ansiamos nesses últimos dias. Muitos desejariam estar reunidos em suas igrejas somente para orar ao lado do irmão, ouvir um sermão não esperando nada mais que a exposição do texto bíblico. Com a vinda dessa crise nos encontramos tão necessitados que não há espaço para desejos muito sofisticados. 

E o que falar de nossos idosos? Esquecidos e relegados ao simples anonimato. Em uma geração que valoriza unicamente o novo, acordamos para o valor dos velhos. Estamos preocupados com eles por sabermos que são os alvos mais frágeis dessa nova pandemia. Infelizmente, foi necessário um vírus para nos fazer entender que os idosos juntamente com crianças, adolescentes, jovens e adultos constituem uma única geração importante de uma igreja. 

Deus pode usar esse coronavírus como meio para chamar as pessoas a uma prestação de contas? Claro que sim. Teria provocado essa pandemia por meio de causas secundarias? Penso que seja improvável, mas não impossível, pelos motivos já expostos acima. O que pode acontecer, isso sim eu creio, é que Deus pode mobilizar sua igreja para que esta seja para sua geração aquilo que Jesus foi para Israel, um veículo através do qual o Deus criador agiu em meio ao caos trazendo ordem, paz, esperança e justiça. De nada adiantará sabermos se o coronavírus é ou não juízo divino se a igreja continuar letárgica em ser sal e luz do mundo.

quinta-feira, 7 de março de 2019

CASAMENTO DE CAIM

Quem foi a esposa de Caim? Afinal de contas ele se casa logo depois que assassinou seu irmão Abel. Mas como isso poderia ser possível se não havia mais ninguém para casar? Bem, essa é uma das questões intrigantes da antiga narrativa bíblica dos primórdios. 

Para início de conversa, o texto (Gn.4) parece descrever uma época que se aproxima muito do período neolítico, 8.000 a 10.000 a.C., caracterizado pela domesticação de animais e desenvolvimento das técnicas de agricultura. Note que Abel é pastor de ovelhas e Caim agricultor. Outra coisa que precisa ser notada é que o texto não nos diz que Caim e Abel eram solteiros. Como assim? Publicamos um texto sobre a releitura de Gênesis 1 e 2, onde vimos a possibilidade de haver uma lacuna de tempo entre a criação do homem inicial em Gênesis 1, e o personagem histórico Adão que foi escolhido juntamente com Eva para entrarem no jardim como representante dos demais seres humanos. Se isso for certo, fora do jardim já havia pessoas. Calma, não pare a leitura com medo de ser uma heresia. Vá em frente!

Pois bem, Caim e Abel nascem fora do Éden. Mas porque deveríamos admitir que eles já fossem casados? Pelo questionamento de Caim logo após o assassinato de seu irmão: “... qualquer que me encontrar me matará.” (Gn. 4.14). Isso pressupõe um núcleo familiar maior além de Adão e Eva. Algum membro da família de Abel poderia buscar vingar-se, preservando com isso a honra da família, algo comum no mundo antigo. Sobre isso indico a consulta do Comentário Histórico Cultural do Antigo Testamento. Isso contraria nosso imaginário em ver Caim e Abel como muito jovens ou mesmo solteiros. Não se pode esquecer que o nascimento de Sete, após o assassinato de Abel, se deu quando Adão contava com 130 anos (Gn. 5.3). Isso quer dizer que Caim quando do assassinato do seu irmão deveria ter mais de cem anos de idade. 

Quando alguns leitores perguntam como Caim encontrou sua esposa quando fugiu, na tentativa de desmerecer o texto bíblico (Gn. 4.17), isso não passa de desatenção. Quando se lê que Caim conheceu sua mulher, não quer dizer que ele encontrou alguém que se tornou sua esposa. O mesmo se acha em Gênesis 4.1,25 sobre Adão conhecer Eva. É obvio que Adão já sabia quem era Eva. O texto afirma que Caim teve relações sexuais com sua esposa. O termo conhecer em hebraico é usado para expressar relação sexual. Logo, Caim não encontra uma esposa, o que seria possível, desde que se admita a existência de pessoas além do seu núcleo familiar, mas sim que já tinha uma esposa. Se as únicas pessoas que existiam era o núcleo familiar de Adão e Eva, então Caim já era casado com uma de suas irmãs, algo semelhante a dinastia Targaryen de As Crônicas de Gelo e Fogo. Lembre que Adão teve filhos e filhas (Gn. 5.4).

Quando se tenta responder esses questionamentos algumas pontas são amarradas e outras desatadas, levando, necessariamente, a mais indagações. O certo é que Gênesis não tem a intenção de ser um relato histórico moderno, muito menos um texto científico, mas sim religioso. Sua intenção é teológica, logo, determinados detalhes que podem parecer uteis ao leitor de hoje, foram considerados irrelevante para o que se desejava comunicar.

terça-feira, 5 de março de 2019

IGREJA, FAMÍLIA OU RODA DE AMIGOS?

Quando perguntamos sobre as bases que sustentam um grupo de amigos, podemos elencar os seguintes critérios: preferências equivalentes, idade aproximada, afeição mútua, decisão voluntária para ser amigo de alguém, afinal de contas ninguém é amigo por obrigação. Uma família, por sua vez, possui uma realidade distinta: idades diferentes, pois temos avós, pai, mãe, irmãos, tios, primos, preferências na maioria das vezes nem um pouco análogas e por fim, não decidimos quem deve ser nosso parente, eles, como em um passe de mágica simplesmente aparecem.

Ao prestarmos atenção na escolha que Jesus fez dos Doze apóstolos, notamos facilmente que ele formou um barril de pólvora (Mc.3.13-19). Isso porque em seu grupo havia um cobrador de imposto, Mateus (alguém, no mínimo não muito desejado), pescadores (bem provável que prejudicados em sua profissão por pessoas como Mateus), um zelote, que se entende como alguém disposto a agir com violência diante de um exemplo de infidelidade à lei de Moisés. Enfim, ou Jesus tinha o que se chama de dedo podre para escolher pessoas, ou ele queria nos mostrar algo. 

O grupo dos Doze tinha tudo para dar errado, com uma única exceção, a presença de Jesus. Não fosse por Jesus eles nunca poderiam pertencer ao mesmo grupo. Sua unidade estava para além de uma roda de amigos, era uma unidade familiar. Eles deveriam se relacionar com pessoas que por sua própria iniciativa nunca iriam conviver. Se Jesus tivesse dado a opção para alguns dos Doze escolher outros integrantes teríamos um grupo de amigos, pois a escolha seria movida por afinidades. Mas como a escolha coube unicamente a Jesus, o critério da afinidade não foi levado em consideração. 

A igreja atual é a continuação dessa escolha inicial feita por Jesus, uma escolha que redefiniu o que era ser povo de Deus. Hoje é muito comum segmentarmos a igreja em grupos de crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos. É claro que um trabalho direcionado para cada faixa etária é sadio e surte bons efeitos ao longo do tempo. Contudo, se numa igreja as pessoas se relacionam somente com as mesmas de sua faixa etária, ou que possuem as mesmas preferências, essa comunidade deixou de ser uma família e se tornou uma roda de amigos. Se uma igreja possui uma fé com identidade jovem, ou mesmo adulta, essa não é a fé cristã. O que caracteriza uma igreja é a sua identidade de fé intergeracional.  

Nos esquecemos facilmente que os dois grupos mais antagônicos do primeiro século, judeus e gentios foram unidos numa única comunidade, algo impensável na época, somente porque a cruz de Cristo fincada no chão de nosso mundo iniciou o processo de transformação de todas as coisas. Ou a cruz de Cristo aboliu qualquer muro de separação (inclusive o da idade) ou não derrubou muro nenhum (Ef. 2.11-18). Como já foi dito, não precisamos do evangelho, muito menos do poder de Deus para unir pessoas por afinidade, pois isso pode ser encontrado em qualquer lugar fora da igreja. Em uma época cheia de poderes que buscam nos segregar de todas as formas, a união de gerações que não têm afinidade alguma é uma demonstração poderosa de que Jesus é Senhor e que o reino de Deus foi inaugurado na terra como no céu.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

THANOS E SUA VISÃO DE MUNDO PAGÃ

O que falar de um filme como Vingadores, Guerra Infinita? Não me vem outra resposta senão THANOS. Que vilão tão bem construído! Nada daquelas caricaturas ultrapassadas, tais como risada estrondosa, voz grave ou rouca demais como Mumm Ra de Thundercats, ou discursos de destruição total do mundo semelhante ao encontrado em X-Men, Apocalipse. Não é atoa que “uma boa história é boa quando o vilão é bom, pois um inimigo poderoso força o herói a crescer para enfrentar o desafio” (Voegler). 

O titã louco foi magistralmente humanizado, seja pela serenidade de sua voz, ou mesmo expressões faciais. Thanos é bastante pragmático em sua visão de mundo. Sua “nobre” intenção é manter o equilíbrio do universo, dessa forma ele deseja realizar um controle demográfico em escala cósmica com o genocídio da metade da população de todo o universo, isso fará com que a balança dos recursos naturais se estabilize com seu consumo. O fim da fome só virá com o fim dos famintos, e ele está irredutivelmente certo de sua missão. “Um tipo perigoso de vilão é “o homem determinado”, a pessoa tão convencida de que sua causa é justa que nada o impedirá de alcançá-la” (Voegler). 

É nesse cenário que encontramos duas visões de mundo que se colidem. Se Thanos está disposto a arriscar tudo para dizimar metade da vida do universo, os Vingadores se arriscam para salvar uma única pessoa. “Não negociamos vidas!”, disse Steve Rogers. Descartar metade da vida do universo para que a outra sobreviva, como quer Thanos, é uma visão de mundo pagã. Já a defesa da vida, mesmo sob o risco de morte defendida pelo Capitão América é essencialmente cristã. Enquanto todos buscavam se salvar das epidemias que assolavam os dois primeiros séculos da era cristã, os seguidores de Jesus decidiram ficar para cuidar dos doentes, mesmo sob o risco de morte. Se era comum o alto número de infanticídio de meninas no mundo greco-romano, foram os cristãos que levantaram suas vozes em protesto. O respeito a dignidade do outro, não importando sua classe social ou etnia, mesmo que defendido em um mundo secular como o nosso, não é outra coisa senão um valor cristão. 

Thanos deseja promover uma roleta russa para inibir o aumento do controle populacional. Com um simples estalar de dedos, o gatilho da aleatoriedade seria acionado para dizimar metade da vida do universo, sem saber, todavia, quem seria o sorteado. Essa é a sua justiça, não escolher quem deverá morrer. Claro que o titã não estará entre os “felizardos” com a possibilidade de ser escolhido. Como muitos ditadores ao longo do tempo, Thanos, sob a justificativa do bem comum, está disposto a promover o sacrifício de muitos. 

"Não é justo. Não devia ser você, mas é. Não tem problema. Você nunca poderia me machucar”. Nesse diálogo entre Visão e Feiticeira Escarlate – que para alguns soou meio piegas – ao menos para mim foi muito revelador. Uma coisa seria o Visão ser morto por alguém que lhe fosse indiferente, já ser morto pela pessoa que nunca lhe faria mal, é muito assustador. É aqui mais uma vez que vemos a visão de mundo cristã superando a cosmovisão pagã. A autodoação, o coração da mensagem do evangelho, que Deus Pai abriu mão de seu único Filho, e este abriu mão de toda sua glória para morrer numa cruz. Claro que Deus Pai nunca faria mal algum ao seu Filho, mas cabia a Ele a árdua tarefa de ferir seu Filho na cruz em benefício daqueles que na cruz deveriam morrer. 

Para Thanos alcançar seu objetivo bastava fechar o punho e estalar os dedos. Deus em Cristo, por sua vez, fez o que fez não fechando seu punho nem estalando os dedos, mas abrindo suas mãos ao conceder perdão e ajuda aos mais fracos e ao abrir seus braços na cruz, não em demonstração de fraqueza, mas do poder do amor divino que destrói qualquer manopla do infinito.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

ABORTO

INTRODUÇÃO 

O partido PSOL protocolou uma ação no Supremo Tribunal Federal pedindo a descriminalização do aborto até o terceiro mês de gestação. Segundo o próprio partido, aproximadamente 500 mil mulheres fizeram aborto no Brasil em 2015. 

Não podemos negar a complexidade do assunto. Envolve questões médicas, legais, teológicas, sociais e pessoais. Contudo, a sua complexidade não pode nos levar para a margem da discussão. Enquanto igreja temos o dever de ser luz do mundo. Levar a mensagem do evangelho mesmo em assuntos onde muitos querem que guardemos nossa opinião para nós mesmos. Como se nossa convicção cristã servisse somente para questões de foro íntimo. Precisamos lembrar sempre que nosso Deus é um Deus de questões públicas. Deus não está preocupado somente com minha vida de oração e leitura da Bíblia. Não podemos manter uma postura religiosa a favor da vida e nos esquecer disso ao votar em candidatos que são a favor do aborto. 

DESENVOLVIMENTO 

O grande médico da antiguidade, Hipócrates (sec. V a.C) fez o seguinte juramento: “Aplicar os tratamentos para ajudar os doentes conforme minha habilidade e minha capacidade, e jamais usá-los para causar dano ou malefício. Não dar veneno a ninguém, embora solicitado a assim fazer, nem aconselhar tal procedimento. Da mesma forma não aplicar substância abortiva em mulher alguma”. A Declaração de Genebra de 1948 atualizou o juramento com a seguinte cláusula: “Manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde a sua concepção”. 

Depois das mazelas provocadas pelo nazismo na Alemanha, o Código de Nüremberg, um documento “que destacou que não se deve fazer mal aos seres humanos por meio da pesquisa e de qualquer procedimento médico.” (EULER R. WESTPHAL. 2009). 

O aborto envolve duas doutrinas de acordo com a Bíblia: Deus e a humanidade. Deus como o doador da vida e soberano sobre ela, e a dignidade da vida humana como imagem de Deus. Somente por meio de uma confissão de fé podemos afirmar a dignidade da vida humana. Nós não temos o poder de conferir dignidade à vida humana, simplesmente a reconhecemos como algo dado por Deus. 

Nos EUA desde 1973 quando a Corte Suprema legalizou o aborto, foram realizados 58 milhões de abortos. Menos de 1% era referente a estupro e incesto. A grande maioria era por mera conveniência. Foi descoberto nos EUA o que se chama de aborto pós-parto. Acontece quando o feto nasce por conta dos procedimentos iniciais, e logo em seguida é abortado. Isso é uma ofensa gritante ao Criador. 

Na Inglaterra e no País de Gales até a instituição da reforma da lei do aborto, o número de abortos praticados estava na casa de 6.100 até 1966. Em 68 já estava em 24 mil. Em 73, 167 mil. Em 83, mais de 184 mil. Em 2000, 185.376 abortos. Até 2002, mais de 5 milhões de abortos foram praticados. 98% foram realizados por razões sociais. Foi estimado que em 1968 em todo o mundo o número de abortos era algo em torno de 30 e 35 milhões. Hoje pratica-se 55 milhões de abortos em todo o mundo a cada ano. Isso dá mais de um aborto por segundo. (JOHN STOTT. 2014). 

Essa tolerância em se tratando do número de abortos praticado em todo o mundo, mostra o quanto estamos nos degradando socialmente. Esse foi o caso da Roma antiga. Era comum jogar os filhos indesejados em lixões ou abandoná-los ao relento. Não havia punição para isso. Em Esparta, filhos com alguma deficiência aparente eram simplesmente atirados dos penhascos. John Stott nos alerta para o problema dos eufemismos no caso de abortos. O feto não é um simples material genético, mas uma criança que ainda não nasceu. Aborto, não é a interrupção de uma gravidez, mas da vida de uma criança. Não é sem motivos que já foi dito que nosso mundo pós-moderno é também pós-humano (EULER R. WESTPHAL. 2006). 

O que pensamos sobre o feto vai determinar nossa posição em relação ao aborto. Se o feto é um objeto inanimado, um amontoado de células, ao menos até a décima segunda semana de gestação, como querem os que são pró-aborto, então não há nada demais em interromper seu desenvolvimento. No entanto, já na sexta ou sétima semana de vida, o feto possui função cerebral, e na oitava semana ele já tem todos os membros formados, dedos e digitais. (JOHN STOTT. 2014). Estão querendo tirar a dignidade do feto, torná-lo descartável. Isso para defender o direito das mulheres. O século 20 viu que o nazismo surgiu como a maior e mais eficiente máquina de matar, e isso com o ideal de promover um bem maior (EULER R. WESTPHAL. 2009). 

Mas se entendemos que desde a concepção o feto é dotado de vida humana, mesmo que em desenvolvimento, então a sua interrupção é uma afronta ao Deus que é o criador da vida. Apontar a deficiência do feto como prerrogativa para o aborto não o torna menos ofensivo a Deus. Uma criança com deficiência não é menos criação de Deus que outra que não possui nenhuma deficiência (Ex. 4.11). Por que interromper uma vida que já nasceu com deficiência é errado, mas interromper uma vida com deficiência que ainda não nasceu seria correto? Estamos falando de vida humana. Se o feto equivale a uma criança, o aborto equivale a infanticídio. Timothy Keller diz que na abolição da escravidão não foi dado o direito de escolha se as pessoas queriam ou não ter escravos. A escravidão foi vista como incompatível diante da dignidade do ser humano. O mesmo deveria acontecer com o aborto. 

Em O Senhor dos Anéis, o mago Gandalf disse: “Muitos que vivem merecem a morte. E alguns que morrem merece viver. Você pode dar-lhes a vida? Então não seja tão ávido para julgar e condenar alguém a morte. Pois mesmos os muitos sábios não conseguem ver os dois lados”. Sobre isso, existe a seguinte história de um médico que pergunta ao outro: “Eu gostaria de saber a sua opinião em relação à interrupção de uma gravidez na seguinte situação: o pai tem sífilis e a mãe, tuberculose. Dos quatro filhos deles, o primeiro era cego, o segundo morreu, o terceiro era surdo e mudo e o quarto também tinha tuberculose. O que você teria feito com essa gravidez?”. “Eu a teria interrompido” – respondeu o outro. “Então você teria matado Beethoven”

VISÃO BÍBLICA DO FETO 

O salmo 139 serve como uma boa reflexão da dignidade humana do feto. O texto faz uso de linguagem metafórica, do oleiro e tecelão (Jó 10.8). Exalta o trabalho de habilidade criativa de Deus. O salmista já adulto olha para todos os estágios de sua vida e se entende como sendo a mesma pessoa. Note que ele sempre faz uso dos pronomes eu, me. Ele possui a mesma identidade pessoal, seja no estagio pré-natal ou pós-natal. Ele chega a dizer que antes mesmo de ter algum relacionamento consciente com Deus, Deus já tinha com ele. O que nos torna uma pessoa neste caso é o fato que Deus nos conhece (Jó. 31.15; Sl. 22.9,10; 71.6; 119.73), (STOTT. 2014). O mesmo pode ser dito de Jesus. Ele foi o mesmo na concepção, no nascimento, na morte e em sua ressurreição (Mt. 1.21). Nota-se pelo texto que o Jesus que salvará seu povo quando estiver adulto é o mesmo que se encontra no ventre de Maria. 

REFERÊNCIAS 

WESTPHAL, EULER R. Para Entender Bioética. São Leopoldo/RS. Sinodal. 2006. 

____________________ Ciência e Bioética. São Leopoldo/RS. Sinodal. 2009. 

STOTT, JOHN. Os Cristãos e os Desafios Contemporâneos. Viçosa/MG. 2014.

sábado, 21 de julho de 2018

O ANTICRISTO

Se existe uma figura que muitos de nós já ouvimos, mas que pouco compreendemos, é a figura do anticristo. Personagem pregado em muitos púlpitos, mas esquecido ultimamente, o anticristo foi um assunto complexo e ao mesmo tempo importante para os primeiros cristãos. 

Ao longo da história da igreja muitas foram as interpretações para o significado da besta de Apocalipse 13: seria Nero? Havia a história que ele voltaria mesmo depois de morto, o mito do Nero redivivo (note que a besta foi curada de uma ferida mortal). Poderia ser o império romano da época de João? Para os reformadores o anticristo seria o sistema papal do séc. XVI. É comum também ver a besta como algum líder político futuro. Já pensaram até em Barack Obama. Circula também nas redes sociais uma pregação que diz ser o presidente da França, Emmanuel Macron, o verdadeiro anticristo. Já vimos que não faltam candidatos! 

Podemos dizer que João fez uso em sua própria época das histórias do retorno de Nero. Não que ele acreditasse que o imperador pudesse voltar a viver, antes, o faz para ter um referencial comum entre seus leitores e ouvintes. Ao mesmo tempo ele pode afirmar que toda opressão de Roma por meio de seus imperadores não era outra coisa senão o agente de um poder muito antigo, a soma de toda a maldade. Este poder se opõe a Deus e seu povo, tanto no passado, presente e futuro até o dia do aparecimento de Cristo. Essa figura sinistra tem como pano de fundo o texto de Daniel 7. O próprio Jesus faz referência a esse conceito assustador em Mt. 24.15; Mc. 13.14. 

Haveria ainda hoje alguma utilidade em falarmos de tal personagem/influência? A resposta é sim. Isso porque embora todos veem o anticristo como um personagem que surgirá no futuro, a Bíblia nos diz que ele já atua no presente. Podemos identificar o cavaleiro branco como a representação do anticristo (Ap. 6) que atua desde a ascensão de Jesus ao céu. A época da igreja onde temos a atuação do Espírito Santo é também a época do anticristo. Isso concorda com o que Paulo diz em 2Ts. 2.7, sobre a atuação do mistério da iniquidade. Devemos nos lembrar, todavia, de não entrarmos numa espécie de histeria coletiva sobre essas coisas (2Ts. 2.1s) 

O termo anticristo pode ter sido criado pelo próprio João, pois só se encontra em seus escritos e em nenhum outro lugar no NT, embora o personagem apareça em outros lugares na Bíblia. São cinco vezes que o termo aparece em suas cartas (1Jo. 2.18,22; 4.3; 2Jo. 7). Esses textos nos ensinam que vivemos já no tempo final. Para nosso espanto, ele já veio (1Jo. 4.3), essa inclinação, tendência de se opor a Cristo ou qualquer coisa que tenha relação com ele. E se não bastasse, o anticristo dispõe de muitos funcionários (1Jo. 2.18). João nos diz que foram pessoas que estavam expostas à influência cristã, viviam entre o povo de Deus, mas em um determinado momento revelaram que nunca pertenceram ao grupo que eles diziam fazer parte.  

IMPLICAÇÕES DA DOUTRINA DO ANTICRISTO 

  • Podemos ser um funcionário do anticristo sem ao menos sabermos. Quando nos opomos ao ensino da Escritura, somos indiferentes a voz do Espírito Santo ou assumimos um comportamento que sabemos não encontrar amparo na Bíblia, que traz prejuízo tanto individual quanto para a igreja de Cristo, nessas situações nos tornamos anticristãos, agentes do próprio anticristo. 
  • João identificou o espírito do anticristo em sua época no falso ensino que negava a encarnação de Cristo. Ele foi enfático ao falar que negar esse fato não era uma questão de opinião particular, mas da atuação de uma influência anticristã no meio da própria igreja. Temos que estar atentos aos ensinos difundidos por muitos púlpitos, e quando estes não concordarem com a doutrina dos apóstolos, deverão ser denunciados. 
  • Vivemos numa época marcada por grande apostasia, o terreno fértil para qualquer ideologia anticristã. Muitos demonstram uma hostilidade a Cristo mesmo fazendo parte da comunidade cristã. Não podemos nos iludir, não estar com Jesus é se posicionar contra ele (Mt. 12.30; Lc. 11.23). 
  • Quantas igrejas já se encontram tão corrompidas que mesmo pregando Cristo, se tornaram em agência a serviço do anticristo, uma igreja anticristã, com membros anticristãos, com um ensino anticristão, uma liturgia anticristã? Não podemos nos esquecer que de acordo com 1Jo. 2.18 a influência anticristã, o espírito do anticristo, surge também de dentro do cristianismo.  
  • Se notarmos as duas bestas de Ap. 13, veremos que uma representa um poder político perverso enquanto outra, um poder religioso corrompido (levando em consideração que possam ser dois personagens reais a serviço de um poder político e religioso). Isso acontece quando a política e a igreja deixam de estar a serviço de Deus e se unem em torno de uma influência destrutiva de um espírito anticristão. 

terça-feira, 3 de julho de 2018

JESUS, MAIS QUE UM HOMEM

Para muitas pessoas Jesus foi um grande mestre religioso que nos brindou com um conhecimento de Deus ao mesmo tempo desafiador e admirável. Mas ele não foi um grande mestre? As pessoas não o chamavam assim? É claro que Jesus foi um mestre religioso. O problema é vê-lo somente como um mestre. Muitos conseguem lidar com um mestre que morreu, mas não com o Deus que se fez Homem e que governa o mundo criado. Outros até admitem que Jesus era divino, mas não plenamente igual a Deus Pai. 

Recentemente assisti um debate entre jornalistas e um professor de religião com o seguinte tema: Jesus: Vida, Morte e Legado. Um olhar atento logo perceberá que o tema esconde a visão de um Jesus simplesmente humano. Vida, morte e legado é o que falamos de qualquer grande líder após sua morte. Para ser mais correto, o título do debate deveria ser: Jesus: Vida, Morte e Ressurreição. A ressurreição de Jesus prova que ele não foi somente um grande mestre religioso, mas que verdadeiramente era o Filho de Deus, e que ao ressuscitar, tudo o que ele fez e disse era realmente verdade, ou seja, ele era mais que um simples ser humano, era verdadeiramente o Deus que se fez homem. Para aqueles que pensam ser essa conclusão absurda, C. S. Lewis nos ensina que neste quesito ou é tudo ou nada: 

Estou tentando impedir que alguém repita a rematada tolice dita por muitos a seu respeito: “Estou disposto a aceitar Jesus como um grande mestre da moral, mas não aceito a sua afirmação de ser Deus.” Essa é a única coisa que não devemos dizer. Um homem que fosse somente um homem e dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre da moral. Seria um lunático – no mesmo grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido – ou então o diabo em pessoa. Faça sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. 

Somos confrontados, então, com uma alternativa assustadora. Ou esse homem de quem estamos falando era (e é) o que dizia ser, ou era um lunático ou coisa pior. Ora, parece-me óbvio que ele não era nem um lunático nem um demônio; consequentemente, por mais estranho, assustador ou insólito que pareça, tenho de aceitar a ideia de que ele era, e é, Deus. Deus chegou sob forma humana no território ocupado pelo inimigo. (Cristianismo Puro e Simples, p. 69-71). 

Se Jesus estava errado em se comportar como se fosse o Deus encarnado, por qual razão deveríamos acreditar em seus ensinamentos? Se estava errado no mais importante e decisivo sobre si mesmo, porque deveria ter acertado no mais importante e decisivo sobre nós? Bono Vox, da banda U2, percebeu essas mesmas implicações em uma conversa com um jornalista: 

Não, para mim não é mirabolante. Veja, a resposta secular para a história de Cristo é sempre a mesma: ele foi um grande profeta, sem dúvida um sujeito interessante, que tinha muito a dizer seguindo alinha de outros grandes profetas, como Elias, Maomé, Buda ou Confúcio. Na verdade, porém, Cristo não permite isso. Ele não deixa você se safar tão fácil. Cristo diz: “Não estou dizendo que sou um profeta, mas que ‘sou o Messias’. Estou dizendo que ‘sou Deus encarnado’”. E o pessoal responde: “Não, por favor, seja apenas um profeta. De um profeta damos conta. [...] Não é piada. Para mim, mirabolante é a ideia de que todo o curso da civilização de mais da metade do mundo teve seu destino transformado e virado pelo avesso por causa de um maluco... (Citado por Timothy Keller em A Fé na Era do Ceticismo, p. 259). 

Mas, e aqueles que veem Jesus como alguém divino, mas não como Deus plenamente? Lidaremos agora com a opinião de alguns religiosos e não de secularistas. Neste quesito os Testemunhas de Jeová surgem como representantes desse tipo de fé. Pode-se dizer que afirmar que Jesus é divino embora não plenamente Deus, como fazem as Testemunhas de Jeová, é o mesmo que tentar fazer uma omelete sem desejar quebrar os ovos. Esse Jesus se aproxima mais dos heróis semideuses dos mitos antigos que o Jesus retratado nas páginas do Novo Testamento. 

Em Biblioteca on-line da Torre de Vigia, acha-se o estudo Quem é Jesus Cristo? que serve muito bem como síntese desse pensamento. Como negação da doutrina da Trindade, lemos que “houve um tempo em que Deus estava sozinho”. Essa solidão teria chegado ao fim com a primeira criação de Deus, neste caso, Jesus. A base para isso seria os textos de Cl. 1.15 que fala de Jesus como “o primogênito da criação de Deus” e Ap. 3.14 “o princípio da criação de Deus”. Colossenses 1.15, no entanto, não quer dizer que Jesus foi o primeiro ser criado por Deus. No mundo antigo o primogênito era aquele que tinha o direito à herança do pai. Jesus como o primogênito quer dizer que ele tem direito legal sobre toda a criação de Deus. Tudo pertence a Jesus. Ele tem domínio sobre toda a criação. Esse é o sentido do texto. 

Apocalipse 3.14, por sua vez, não significa que Jesus foi criado no princípio. A palavra princípio usada é o grego arché, que significa fonte, origem. João quer dizer que Jesus é a fonte, a origem de todo o mundo criado. Ou seja, se diz no texto que tudo foi criado por meio dele, como bem atesta o evangelho de Jo. 1.3 e Cl. 1.16. As coisas existem por meio dele e para ele. Jo. 1.1 deixa bem claro que desde a eternidade o Verbo, Jesus, sempre esteve ao lado de Deus Pai, e isso por um motivo obvio que o próprio texto responde: ele mesmo era Deus. Se houve um tempo em que Deus Pai esteve sozinho, como afirma o estudo da Torre de Vigia, então não se pode dizer que sua natureza é amor (1Jo. 4.8). Para que haja amor é necessário no mínio a existência de duas pessoas, pois não se pode amar estando sozinho. 

Não se pode pensar que Jesus seja inferior a Deus Pai pelo simples fato ser denominado Filho de Deus. O estudioso em Novo Testamento Oscar Cullmann, diz que se alguém pergunta “se o Novo Testamento ensina a “divindade” de Cristo, deve-se pois, em princípio, responder afirmativamente...” (CULLMANN, 2008, p. 399). Sobre o conceito de Jesus como Filho de Deus, Cullmann de forma muito acertada diz que “... os adversários de Jesus perceberam, no emprego do título “Filho de Deus”, uma pretensão à igualdade com Deus, e que Jesus não os contradisse.” (CULLMANN, 2008, p. 392). 

Ao perguntar quem seria Jesus hoje, o estudo em questão diz: “Atualmente, Jesus não é nem homem nem Deus Todo-Poderoso. Ele é uma poderosa criatura espiritual, um Rei reinante.” No melhor dos cenários essa é uma declaração corajosa, e no pior, absurda. Se Jesus não é mais homem, então ele não pode ser o único mediador das pessoas. Se também não é Deus, tão pouco pode salvá-las ou mesmo ser adorado. Paulo diz claramente em 2Tm. 2.4 que o nosso mediador é o Jesus homem. Se ele não é Deus, textos como Jo. 1.1; 1.18; 20.28; Rm. 9.5; Tt. 2.13; 1Jo. 5.20, perdem o completo sentido. Deus não poderia conferir seu próprio Nome a Jesus se ele mesmo não fosse Deus, o Filho de Deus. É isso que Paulo diz que Deus fez em Fp. 2.10. “Por que este nome não pode ser sobrepujado por nenhum outro? Porque é o nome do próprio Deus...” (CULLMANN, 2008, p. 285). 

Negar que Jesus seja Deus é afirmar que sua adoração é ilegítima, uma idolatria. Contudo, encontramos no Novo Testamento que Jesus não criticou aqueles que o adoraram após sua ressurreição (Mt. 28,9,17. Jo. 20.28). Não se pode negar aquilo que o próprio Cristo permitiu. O escritor da carta aos Hebreus diz que todos os anjos devem adorar a Jesus por ser o Filho de Deus, o que implica sua igualdade com Deus Pai (Hb.1.6-10). No livro do Apocalipse, Jesus é retratado como o cordeiro que foi morto e ressuscitou, e em decorrência disso é adorado tanto no céu quanto na terra (Ap. 5.11-14). 

Levantar a hipótese de que Jesus era Deus foi o resultado das decisões e influência do imperador Constantino, bem como o uso do poder por parte da igreja em ascensão, não encontra o mínimo de comprovação histórica. Timothy Keller, em A Fé na Era do Ceticismo diz: 

Quanto a O Código Da Vince, todos sabem que a trama do livro e do filme é fictícia, mas muitos consideram plausível o cenário histórico que o autor, Dan Brown, afirma ser verídico. O livro mostra Constantino em 325 d.C. decretando a divindade de Jesus e suprimindo todas as provas de que ele era apenas um mestre humano. No entanto, mesmo um documento como a Epístola de Paulo aos Filipenses, que todos os historiadores garantem não datar de mais de vinte anos após a morte de Cristo, vemos que os cristãos adoravam Jesus como Deus (Fp. 2.10). A crença na divindade de Cristo fez parte desde o início da dinâmica do crescimento da igreja primitiva. (KELLER, 2015, p. 135).

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Homem-Aranha: De Volta Ao Lar e a Escolha Dos Doze Discípulos

O Homem-Aranha é um daqueles super-heróis que dificilmente alguém não consegue apreciar. Ele é um jovem estudante, possui obrigações em casa, na escola e mais, deseja salvar o mundo. Só sendo Peter Parker para alcançar êxito em tantas tarefas. 

Apesar de ser um filme de herói de quadrinhos, o longa é muito real ao abordar nosso “maravilhoso mundo novo”. Pode-se identificar facilmente pessoas de diversas nacionalidades, a marca de uma era globalizada. A vida e dilemas de um estudante são pontuados na mediada do possível, tais como o amigo nerd, a paixão por uma garota e afins. Até mesmo o preconceito com os latinos é abordado, mesmo que em uma cena cômica. 

O espanto que temos em descobrir quem é o vilão em sua “vida normal” foi uma experiência pouco vista em muitos filmes dessa natureza. Sempre imaginei o problema que seria para o Homem-Aranha viver numa cidade pequena ou mesmo numa área onde não predomina os grandes edifícios. Como lançar sua teia para se locomover? Não é que até isso nós encontramos no filme. Minha curiosidade foi atendida. 

Mas o que isso tem a ver com a escolha dos doze discípulos? Bem, Parker é um estudante qualquer, ao menos é o que as pessoas imaginam. O mesmo se dá com a escolha de simples pescadores feita por Jesus. Embora Parker possua uma força e habilidades incomuns a qualquer ser humano, o que justifica a escolha feita por Tony Stark, no caso de Jesus não havia nada nos discípulos que justificasse a sua seleção. Enquanto o primeiro escolhe seu “discípulo” porque viu algo, o segundo escolhe porque deseja que algo no futuro seja visto na vida de seus discípulos. Tony Stark atuou por mérito, Jesus por pura graça. 

Logo no início do filme vemos Parker entusiasmado em saber ter sido alistado para sua grande tarefa. Sua alegria é maior que sua responsabilidade, ao menos no início. Ao tentar impedir o roubo em um banco, por pouco não provoca uma tragédia maior. Quando perseguiu o vilão da história - mais uma vez as coisas não saem como imaginava – se não fosse o próprio Stark para socorre-lo, teria sido o Homem-Aranha o vilão por quase provocar a morte de dezenas de pessoas. Ele parece não acreditar que Tony Stark é mais sabedor dos perigos de ser um super-herói do que ele. Parker possui o desejo de fazer, embora lhe falte um pouco a disposição em aprender. 

Temos aqui uma teia que liga o Homem-Aranha aos doze apóstolos. Os discípulos aceitam o convite de Jesus para segui-lo, mas ao longo da caminhada parecem não entender o que isso implicaria. Estão alegres por fazerem parte do movimento liderado pelo messias prometido, o rei ungido que traria o reino de Deus ao mundo. No entanto... 

Jesus os chama para assumir o caminho do sofrimento e amor doador, mas o que dois deles desejam é a morte de uma comunidade de samaritanos (Lc. 9.51-56). O que significa poder é redefinido por Jesus ao demonstrar força na fraqueza e serviço humilde ao outro, enquanto os discípulos estão preocupados em saber quem será o maior entre eles. Ao tentarem agradar seu mestre os discípulos o decepcionam pois tentam impedir que crianças o encontrem, quando o mesmo deixou bem claro que receberia em seus braços todos que viessem até ele. Embora Jesus tenha enfatizado a necessidade de sua morte na cruz, um de seus seguidores tenta corrigi-lo contra tal pensamento. Mesmo tendo demonstrado tanto em ações quanto em palavras a necessidade de seus seguidores se manterem unidos em torno dele, antes de ir para a cruz todos os abandonaram, enquanto ele os amou até o fim. 

Em um de seus diálogos Parker é indagado sobre a seguinte questão: “Como é ser famoso quando ninguém sabe que é você?” Neste caso, o que o motiva a arriscar sua vida em favor dos outros, se quando ele é visto em ação o que se vê é a figura do Homem-Aranha e não a face do Peter Parker? Mas não foi isso o que Jesus ensinou em Mt. 6.1-6 sobre o ajudar sem a necessidade de ser visto? Assim como Parker, somos nós, seguidores de Jesus. Nossa função não é tornar nosso nome conhecido, mas tornar conhecido o nome de Cristo por aquilo que fazemos. Não precisamos de selfies quando nos dispomos a ajudar os outros. 

Ao saber que perderá seu traje, algo que não poderia imaginar, Stark lhe diz: “Se você não é nada sem o traje, então você não deveria tê-lo.” Onde está minha identidade? Quem é o Homem-Aranha? Quem são os discípulos? Aqui, Bíblia e Hollywood nunca estiveram tão próximos. Peter Parker aprenderá que pode ser o herói independente do traje. Não é o traje quem salva, mas aquele que o veste. Não foi o mesmo que aconteceu com os discípulos de Jesus? Ele disse que para fazerem o que foram vocacionados a fazer não precisariam de traje algum: “Não levem ouro, nem prata, nem cobre em seus cintos; não levem nenhum saco de viagem, nem túnica extra, nem sandálias...” (Mt. 10.9,10). A identidade deles estava atrelada à missão e não a alguma espécie de posse. 

Peter Parker terá em sua vida muitas missões para realizar, muitos riscos a correr, suor a derramar. Ele não saberia viver de outra forma. Conosco, deve ser o mesmo. Temos uma missão. Fomos alistados num grande exército, que ao contrario dos Vingadores, é formado por um único herói, Jesus. Ele nos envia a esse mundo. Pede que escalemos montanhas, derramemos nosso suor, nos arrisquemos. Foi o que ele disse: “Assim como o Pai me enviou, eu os envio.” (Jo. 20.21). 

Parker foi convidado a lançar sua teia, os discípulos suas redes. E nós?

sábado, 3 de março de 2018

CRISTIANISMO VIKING

Não é preciso dizer muito sobre a atração que a série Vikings produz em seus fãs. Quem nunca ficou fascinado ao assistir na TV soldados destemidos, de semblantes ameaçadores, com escudos e machados em punho durante uma batalha? Qual amante de uma boa série não gosta de uma trama envolvente? Que leitor de mitologia não se encanta em ver mitos entretecidos na vida de seus personagens? Tudo isso nós encontramos na série da Netflix.

Levantando as velas de nosso barco viking, desejo entrar em águas não navegadas, ao menos por parte de alguns fãs da série. A brutalidade existente nos mitos nórdicos pode ser vista no estilo de vida viking, o que faz deles um povo coerente, ou seja, a vida dos deuses refletida em comportamento terreno. Deuses ávidos por sangue produziu um povo sangrento.

Nesse lugar coberto de neve, a morte faz parte do tear que compõe o tecido da vida. Basta assistir um episódio para se comprovar isso. Seu horror pode ser visto embora sua realidade brutal não seja temida. Isso se deve a uma visão de mundo fatalista. A morte de um inimigo ou mesmo do guerreiro viking em batalha não é outra coisa senão o resultado inevitável de algo que não poderia ser alterado.

O que me chama atenção na série é como cristianismo e mitologia viking se confundem. Penso que isso é tanto intenção do autor quanto constatação de um dado histórico pontual. Vemos, com isso, tanto traição, ganância e brutalidade em ambos os lados. Presenciamos ocorrências místicas tanto no terreno da cruz quanto no território do martelo de Thor. A fé do padre Athelsten é contrastada com a fidelidade de Floki aos seus deuses. Se os vikings matam em nome de Odin, o lado cristão diz matar em nome de Cristo. Nada mais autocontraditório. Um cristianismo brutal se torna, assim, um cristianismo pagão. Não dá pra fazer uso da força em nome daquele que morreu para acabar com toda forma de comportamento brutal. O cristianismo da série Vikings se auto-anula, destrói sua própria Mensagem ao deixar rastros de morte. A vitória dos que matam se torna a derrota dos próprios vencedores. Claro que não podemos confundir esse cristianismo medieval com a fé judaico-cristã das páginas da Bíblia.

Se os vikings aguardam o dia do Ragnarok (o crepúsculo dos deuses), o fim de acordo com sua cosmovisão, quando deuses, gigantes e guerreiros lutarão até não existir mais nada, e toda criação afundará num mar escuro, a mensagem cristã pode dizer em termos vikings que o Ragnarok já aconteceu, ao menos não na forma como eles imaginavam nem no lugar ou tempo em que eles esperavam.

A batalha decisiva foi travada por um homem, Jesus, o Messias, não por um exército de guerreiros. O mal em todas as suas formas foi decisivamente derrotado. Sua dimensão oculta, semi-pessoal, foi vencida lá na cruz, lugar onde o amor e a justiça de Deus se revelaram. Um mundo de injustiça, maldade e traição afundou em si mesmo no dia em que o mal fez o pior com o Filho de Deus. O fim foi inaugurado no meio da história. Um novo começo iniciou.

Se fosse possível um duelo entre Jesus e Thor, posso dizer que Cristo morreria, mas é certo que o deus do martelo perderia. Pois enquanto na mitologia nórdica Thor vence pela força bruta, a mensagem do evangelho diz que Cristo venceu a força bruta pelo amor que se doa. A força bruta vence no mito, o amor, por sua vez, venceu na história. 

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

ENTÃO FOI NATAL, UM SERMÃO

INTRODUÇÃO

Nunca falei isso para a igreja, mas gostaria de dizer que não gosto do Natal. Não o suporto. Não gosto do Natal promovido por Mamon (deus dinheiro) e seu desejo insaciável em nos ver gastar, gastar e gastar. Não gosto do Natal que somente enche os supermercados e shopping centers das grandes cidades. Não gosto do Natal que tem como única finalidade enfeitar as cidades de luzes enquanto a vida de muitos se encontra em trevas. Não gosto do Natal que se resume a uma ceia e troca de presentes. Não gosto do Natal que abandona a Mensagem poderosa do Evangelho por meras felicitações vazias de “feliz natal”. Não gosto do Natal que retira Jesus do centro para colocar em seu lugar a figura de um senhor barbudo que serve somente para atender o desejo de pessoas egoístas. 

Mas qual Natal que eu gosto? Gosto do Natal onde Jesus é o centro. Sua vontade é absoluta, seu querer, inquestionável. Gosto do Natal repleto de pessoas que reconhecem seu pecado diante de um Jesus que é santo, santo, santo. Gosto do Natal proclamado por pessoas que ao seguirem Jesus se tornaram não pisca-pisca, mas sim estrelas numa época de trevas. Gosto do Natal que proclama a boa notícia de que Deus veio ao nosso mundo para nunca mais nos deixar. 

A SECULARIZAÇÃO DO NATAL

Muitos dizem que o natal é uma festa pagã. Nada disso. O natal foi a substituição de uma festa pagã. No entanto, a natureza religiosa dessa festa foi aos poucos sendo substituída por elementos de uma sociedade secularizada, avessa a qualquer coisa que tem relação com a tradição judaico-cristã. Não se iludam, o natal só é uma festa popular porque se tornou uma celebração secular. Não se conta a história da encarnação de Deus, antes, fala-se de um velhinho que viaja em um trenó e que entra pela chaminé das casas para entregar presentes. Não se diz que Deus ouve nossas orações, dizem que o bom velhinho lê as cartas das crianças. Não se ouve o anúncio de que Jesus ao cumprir sua missão voltou à dimensão de Deus, o céu. Fala-se que após o Natal o papai Noel volta para sua terra, o Polo Norte. Muitos sabem lidar com a figura do bom velhinho, mas ficam desconcertados com a realidade do Jesus que é Senhor sobre tudo. Que esse não seja a realidade de nosso Natal.

MAS AFINAL DE CONTAS, O QUE É O NATAL?

O Natal foi o dia da invasão de Deus, o momento em que ele desembarcou em nosso mundo (Gl.4.4; Jo.1.14). O dia que Deus armou sua tenda entre nós. Como diria C. S. Lewis, Deus invadiu nosso território já ocupado por muitos inimigos. O Natal celebra a arriscada operação de resgate que Deus elaborou. O profeta Isaias previu que um dia Deus arregaçaria as mangas mostrando seu forte braço de salvação (Is.52.10). No entanto, Deus é alguém que sempre pensa fora da caixa. Como seria seu forte braço? Nada melhor que o braço nu de uma criança (Lc. 2.6,7). Para nosso espanto, Deus se tornou um menino, aquele que sempre existiu antes de todas as coisas. Maria segurou em seus braços esse Deus que se fez menino.

O que poderíamos dizer num momento desses? Não há o que dizer. Só há espaço para celebração, e foi isso o que os anjos fizeram (Lc. 2.10-14). O renomado teólogo Leonardo Boff capitou muito bem esse fato quando disse: “Todo menino quer ser homem. Todo homem quer ser rei. Todo rei quer ser Deus. Só Deus quis ser menino. Humano assim como Jesus, só Deus mesmo”. Deus pede para que nos tornemos como uma criança, porque um dia ele mesmo se tornou um menino. 

O Natal celebra a festa da grande inversão, do dia em que Deus começou a colocar nosso mundo de cabeça para baixo. Deus está transformando esse mundo. O Natal nos leva a acreditar nisso. Deus está redefinindo esse mundo. Como ele faz isso? Ele começou com um menino na manjedoura. O braço daquela criança criou músculos e começou a curar muitas pessoas, a alimentar multidões, a estender a mão para muitos oprimidos e marginalizados e por fim seu braço ficou pregado em uma cruz. Lá, naquele momento, aparentemente sem poder fazer nada, Deus estava salvando sua criação. 

O Natal celebra a continuidade do agir dos braços desse Deus que se fez menino. Agora a grande revolução não ocorre com uma criança na manjedoura, mas através do pobre de espírito, dos que choram, dos humildes, dos que têm fome e sede de justiça, dos misericordiosos, dos puro de coração, dos pacificadores. Faz parte de sua estratégia subversiva mudar o mundo por meio do insignificante. Enquanto o filósofo Nietzsche falou do super-homem que devemos nos tornar, o Natal pede para anunciarmos a vinda do Deus que se fez menino. 

E nunca se esqueçam, Aslam está voltando. Em breve ele aparecerá. Ele está de mudança. A porta do guarda-roupa será aberta e em breve o veremos. O Deus que se fez menino. O menino que se tornou homem. O homem que foi exaltado à direita de Deus. 

Feliz Natal.