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terça-feira, 19 de setembro de 2017

ROCK IN RIO E A UTOPIA

O Rock In Rio começou nessa última sexta-feira (15/09). A surpresa aguardada para a abertura se deu com a participação da modelo Gisele Bündchen e seu discurso sobre a necessidade de construirmos um mundo melhor, igualitário e com a devida atenção ao meio ambiente. Suas palavras – ao menos para mim – soaram muito verdadeiras. Mas não é sobre a sinceridade do discurso proferido que desejamos analisar. O que nos propomos nesse post é averiguar o que não foi dito, mas que era a base subjacente de toda a mensagem proferida.

Não precisamos discutir o mérito do anseio por um mundo melhor. Quem não deseja? Com exceção de Dark Side, Lex Luthor, Apocalipse e Coringa, creio que a resposta seja positiva. O otimismo por um mundo melhor e o idealismo do progresso humano, as bases do discurso feito no Rock In Rio, esbarram em tudo aquilo que insistentemente nos leva a pensar o contrário: duas guerras mundiais; Auschwitz; opressão, miséria, injustiça e morte como frutos das ideologias comunistas no afã de uma sociedade justa; violência em escala endêmica; terrorismo que parece não conhecer nenhum tipo de fronteira; degradação irrefletida do meio ambiente; insensibilidade, orgulho, imoralidade e alienação apesar dos avanços da tecnologia e da ciência. A utopia da construção de um mundo melhor colide na aridez de um mundo distópico à semelhança de Mad Max. 

Deveríamos então ser pessimistas? Largar a ponta da corda do otimismo para ficar com a outra extremidade, o pessimismo? Parece que é isso que muitos cristãos vêm adotando como fruto de sua leitura bíblica. “O mundo só vai piorar com o passar do tempo”, assim afirmam muitos pregadores e entusiastas das “últimas revelações proféticas”. Se tudo vai se degradar de qualquer jeito, porque alguém deveria se preocupar com esse mundo? Temos que lutar para que pessoas sejam salvas desse mundo, - diriam alguns – pois dessa criação não se pode esperar mais nada. Quem consertaria um computador que seria levado ao lixo no outro dia? Ou melhoraria a casa que foi condenada à demolição pela Defesa Civil? Se por um lado o espírito secularista de nosso tempo proclama um otimismo ingênuo no progresso humano, os cristãos de vertente alienadora exaltam uma espécie de pessimismo sombrio incompatível com a fé judaico-cristã. 

O que propomos é uma visão de mundo realista, sustentada pela meta-narrativa das Escrituras. A Grande História que explica as diversas histórias do nosso mundo. O abandono do otimismo ingênuo e do pessimismo sombrio que dá lugar a realidade da esperança bíblica. A resposta para nossas angustiantes perguntas: Por que o mundo está assim? O que nos impede de colocá-lo nos trilhos, se é que existe algum? O que há de errado com o ser humano? Há algum fundamento para esperança? Nossa resposta está contida não em pequenas sentenças que devem ser recitadas, mas numa grande história que deve ser contada, narrada em um “box com quatro discos blu-ray” – Criação, Queda, Redenção e Consumação.

PRIMEIRO ATO – CRIAÇÃO (Gênesis 1-2)

Esse mundo é o resultado da ação livre das mãos de um bondoso criador. Deus criou um mundo repleto de beleza, justiça, bondade e que foi em certo sentido arrendado ao ser humano para ser compartilhado em igualde de condições. O homem deveria cuidar e levar o mundo a sua verdadeira frutificação. Mas... 

SEGUNDO ATO – QUEDA (Gênesis 3)

Alguma coisa parecia estar errada. Uma serpente falando demonstrava que algo estava fora do lugar. O homem dá um salto de autonomia. Deseja um conhecimento e poder ilimitados. Desconfiaram da bondade de Deus e se rebelaram contra sua autoridade. O jardim que deveria florescer em toda a terra cedeu espaço a um deserto e no lugar de árvores, espinhos. A terra foi amaldiçoada e a morte se espalhou entre as pessoas. O homem fez tudo dar errado. Será que o criador abandonará sua criação? O que ele poderia fazer num cenário desses? 

TERCEIRO ATO – REDENÇÃO, PLANO DE RESGATE (Gênesis 12 – João 21)

É o ato mais longo de todo esse drama. Deus escolhe o desconhecido Abraão e diz que por meio dele reverteria toda a confusão e consertaria tudo o que Adão fez de errado. Mas o que se vê é mais confusão, imoralidade, idolatria, opressão, ganância e por fim, exílio. Nada parece funcionar. Teria o criador perdido as amarras da história? É nesse momento que ele tira uma carta decisiva e a lança na mesa. Deus mesmo vai entrar em cena. Vai desafiar o monstro indomável do mal na fragilidade de uma criança. É ele, Jesus de Nazaré. Vemos sua proclamação de que o reino de Deus estava próximo e suas ações que demonstravam como é o mundo quando governado por Deus. Ele morre de forma brutal, mas não trágica, pois na cruz ele derrotou o mal que tentava impedir os propósitos de Deus para sua criação. Ele ressuscita e antes de ir para o mundo de Deus, a dimensão do Criador, convoca seus seguidores a proclamar que o mal foi vencido e que um novo começo se iniciou, que o projeto abortado no Éden foi reiniciado em sua vida, morte e ressurreição e que um mundo melhor é possível. O que esperar agora?

QUARTO ATO – CONSUMAÇÃO (1Coríntios 15; Apocalipse 21-22)

O que Jesus fez e continua fazendo por meio da vida de seus seguidores no poder do Espírito Santo será completado no dia do seu retorno. O mal foi vencido na cruz e será aniquilado com o aparecimento do Filho de Deus quando a dimensão invisível do Criador ficar visível em toda essa terra. Nesse dia haverá cura completa para o meio ambiente em geral e para o nosso corpo em particular.

Essa é a narrativa que explica nosso mundo. Cremos que o mundo pode ser melhor agora não por causa do homem em geral, mas por aquilo que um homem em particular fez ao morrer e ressuscitar. Pela fé no Cristo que morreu e ressuscitou podemos trabalhar por um mundo melhor, pois temos a esperança que um dia Deus tornará essa criação decadente em uma nova criação. Podemos trabalhar localmente por sabermos que Deus aperfeiçoará nossas ações em escala global. A reforma social é possível devido a redenção em Cristo já ter acontecido. Não precisamos ser otimistas utópicos nem pessimistas distópicos, antes, a fé em Cristo “transcende essas realidades, não se refugiando no céu ou na utopia, nem sonhando estar em uma outra realidade. Ela pode passar os limites da vida humana, cercados por sofrimentos, pecados e morte, somente lá onde eles foram realmente derrubados; somente pela aceitação do Cristo ressuscitado do sofrimento...” (MOLTMANN). 

É certo que não ouviremos isso no próximo Rock In Rio. Mas será que poderíamos ouvir nas igrejas?