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sábado, 24 de dezembro de 2016

NATAL

INTRODUÇÃO

Todos nós que somos evangélicos já ficamos um pouco com dúvida sobre a validade ou não da celebração do natal. Depois do crescimento do movimento neopentecostal, muita coisa começou a ser dita sobre o erro que é, cristãos celebrarem uma festa que não tem recomendação bíblica. Muitos dizem que uma árvore de natal é um poste ídolo semelhante aos que existiam nas culturas idólatras da época bíblica. Já ouvi sendo dito pela televisão que os enfeites da árvore de natal têm relação com as cabeças das crianças sacrificadas e que eram penduradas nos galhos das árvores.

O que fazer diante de tudo isso? Vamos por parte. Primeiro devemos jogar fora a água suja da bacia, mas não a criança que está dentro dela. 

COLOCANDO AS COISAS NOS DEVIDOS LUGARES

O natal não é uma festa que se encontra na Bíblia. Não dispomos de uma única recomendação para que os cristãos celebrem o nascimento de Jesus, bem como não há nenhum relato de que a igreja primitiva tenha feito tal celebração. Isso não quer dizer que a festa do natal não possa ser bíblica. Por exemplo: a Bíblia não fala em namoro. Isso quer dizer que não devo namorar? Não. Mas se eu namoro, o meu namoro precisa ser bíblico. O mesmo se dá com a festa do natal. 

A primeira evidência da celebração do natal entre os cristãos vem do séc. III com Hipólito, bispo de Roma. Era uma celebração feita em 2 de janeiro. Foi somente no ano 336 que a data de 25 de dezembro foi proposta. Nessa data era costume em Roma a celebração pagã ao sol invictus. Era a festa da saturnália, ou festa a saturno, o deus sol. Não é tão correto dizer que o natal tem uma origem pagã. A data de 25 de dezembro é que tem essa origem, não a celebração do natal. O natal foi uma festa que substituiu a celebração pagã ao deus sol. 

Não vejo nisso problema algum. Se devemos abandonar a celebração do natal somente porque o dia 25 de dezembro era inicialmente dedicado a uma celebração pagã, teremos que abandonar muitos de nossos hábitos. Eis alguns: 

· Maquiagem. Origem pagã entre os egípcios com o objetivo de afastar os maus espíritos. 

· Festa de aniversário. Os gregos dedicavam bolos com velas a determinados deuses. Acreditava-se que espíritos poderiam fazer mal a pessoa no dia de seu nascimento. Nesse dia os familiares se juntavam com os amigos e ofereciam presentes como meio de proteção. As velas no bolo tinham esse significado também. 

· Aliança de casamento. Os egípcios e os gregos usavam no mesmo dedo que usamos hoje, pois achavam que o terceiro dedo da mão esquerda possuía uma veia que levava diretamente ao coração. 

· Reveillon. A primeira comemoração foi feita na Babilônia. Foi em Roma que se estabeleceu que o primeiro dia do ano novo seria 1º de janeiro. Janus (daí janeiro) era um deus romano, das portas e dos portões. Ele que deveria abrir as portas do ano novo. 

Nós, os cristãos, embora adotemos todas essas práticas (sei muito bem de suas exceções), não o fazemos como pagãos, mas como pessoas que purificaram esses costumes. Para que a cultura seja reformada nós devemos interagir com ela de maneira redentora, não pelo isolamento alienador. Isso se dá também com o natal. Chegamos aqui na famigerada árvore de natal. Sua origem, tão combatida por determinados líderes evangélicos, é incerta. Acreditasse que venha dos países escandinavos, onde era costume ornamentar as casas e colocar um pinheiro nessa época do ano. Sabe-se muito bem o fascínio que o paganismo nutria pelo culto às árvores. Mas não tire conclusões precipitadas. Até onde eu sei ninguém presta culto a árvore de natal em casa. Não atribuímos função religiosa para ela. Não se pode usar Jeremias 10 como se a Bíblia condenasse o seu uso. Isso é uma gritante distorção do texto. Não se forma um ídolo com a árvore de natal, muito menos ela é vista como um ídolo, mas somente como um ornamento dessa época do ano. 

Alguns afirmam que foi Martinho Lutero quem fez uso pela primeira vez de uma árvore na celebração do natal. Diz a lenda que ao andar por uma estrada a noite, Lutero ficou encantado com o brilho das estrelas por entre os galhos de uma árvore. Ele levou para casa um galho de pinheiro e o enfeitou com o objetivo de representar a bela imagem. 

INCOERÊNCIAS DOS NATAL

O problema no natal não está em sua data inicial ter sido uma data pagã, mas em sua atual secularização. É uma época para consumismo. As lojas lucram muito nessa época do ano. Não há problema no consumo assim como nos lucros das lojas. Mas quando associamos o natal a um simples dado econômico, alguma coisa está errada. Todos ganham presente nessa data, menos o aniversariante. A figura do papai Noel superou à do próprio Jesus no natal. O bom velhinho que dá presentes e não o salvador do mundo é que são lembrados. 

SIGNIFICADO BÍBLICO DO NATAL

O natal não é simplesmente a comemoração do nascimento de uma criança, é a celebração da encarnação do Deus verdadeiro que se fez homem. É Deus entrando em nossa história de maneira pessoal. Ele está desembarcando num terreno que se tornou hostil a sua presença. Em meio a pessoas que voltaram suas costas para ele. Ele vem na verdade para uma operação de resgate. Na verdade, um resgate muito arriscado, isso porque ele vem como um recém-nascido. Mas não se iluda, ele é o Messias, o rei prometido, o Senhor de toda a criação (Lc. 2.8-18). 

A antiga promessa de Gn. 3.15 foi o disparo do cronômetro para o grande cumprimento desse plano. Milhares de anos se passariam. Mas na hora certa, no ano certo, na cidade certa e com os pais certos ele surgiu (Gl. 4.4-7). 

O natal é mais que o simples desejar boas festas, ou votos de felicidades. É a poderosa notícia de que o salvador veio a esse mundo. Deus arregaçou suas mangas e mostrou seu braço forte como bem disse Isaias 52.7-10 (A MENSAGEM). Mas essa imagem do braço forte de Deus em Isaias faz contraste com o braço frágil da criança na manjedoura. Mas com o tempo esse braço frágil iria adquirir músculos. Esse braço, com o tempo se mostrou poderoso para curar enfermos, conceder perdão de pecados, para abençoar refeições, para restaurar vidas. Esse braço do Senhor se mostrou poderoso quando foi estendido e pregado na cruz. Se mostrou poderoso para abençoar seus discípulos após sua ressurreição. E se mostra atualmente poderoso governando o nosso mundo. E se mostrará mais uma vez poderoso quando voltar para aniquilar todo o mal em sua criação. 

Celebremos o natal. “Aquele que foi colocado no útero de Maria pelo Espírito Santo; na manjedoura pelas mãos de Maria; na cruz pelos soldados romanos e na sepultura por José de Arimateia”. Celebremos o natal. “Pois o útero ficou vazio; a manjedoura está vazia, a cruz ficou vazia e a sepultura se encontra vazia”. Mas o céu e a terra bem como nossos corações estão cheios de sua presença. 

Celebremos todos o natal.

domingo, 27 de novembro de 2016

O EX-REGENTE DO CORAL NO CÉU?

Quem nunca ouviu falar que antes da queda o diabo era regente do coral no céu que atire o texto de Ezequiel 28.13. Não posso precisar em qual momento esse pensamento viralizou no inconsciente coletivo dos cristãos evangélicos, mas é inquestionável a sua influência na vida de muitos deles. Ellen G. White afirma essa ideia em algum de seus escritos, sendo possível encontrar aí o epicentro responsável pelos tremores dessa ideia que derrubou os muros do bom senso teológico da mente de vários evangélicos. 

Para alguns comentadores, encontra-se no capítulo 28 de Ezequiel duas personalidades. Dos versículos 1-10 teríamos o governante de Tiro, mas a partir de Ez. 28.12-19 o profeta estaria descrevendo a carreira do diabo, pois, segundo esses expositores, os termos usados não poderiam se aplicar a nenhum rei humano. 

Sobre ter sido o diabo antes da queda o regente do coral no céu, o versículo usado seria o 13b, onde se diz que os tambores e pífaros foram feitos quando da criação desse querubim. Aí já deu para perceber a associação. Sim eu sei, os anjos cantam (e como cantam no céu), mas dizer que o diabo antes da queda regia o coral lá, é ir além da mensagem bíblica. Outras versões preferem traduzir tambores e pífaros por engastes e guarnições (NVI) pois o termo faria mais sentido à descrição desse querubim revestido de pedras preciosas (v.13a), semelhantes ao do peitoral do sumo sacerdote (Ex. 28.17-30). O que se pensa ser um tamborim (Versão Revista e Corrigida), na verdade seria o suporte para fixar essas pedras em sua roupa.

Mas ainda que não exista base para se afirmar essa suposta regência no céu, o texto faz referência ao diabo? Novamente a resposta é negativa. Não faz sentido dizer que porque Ezequiel chama o líder de Tiro de príncipe (v. 1) e depois de rei (v. 12) teríamos dois personagens distintos, o primeiro homem e o segundo um ser angelical. Podemos ver que o rei Zedequias podia ser chamado de príncipe comparando o texto de Jr. 21.1 com Ez. 12.10, o que prova serem termos intercambiáveis. 

Faz mais sentido ao texto entender que do início ao fim do capítulo 28 Ezequiel esteja falando somente do rei e da cidade de Tiro. O rei é confrontado com sua própria autodeificação ilusória. O profeta já tinha feito isso com a própria cidade de Tiro no capítulo 27. A cidade era uma potência marítima, cuja glória durou do 12º ao 6º a.C. Em seu porto circulava as mercadorias de todas as nações. Por isso Ezequiel compara a imponente cidade a uma grande embarcação (Ez. 27.1ss), mas que em breve naufragaria (vs. 25-36). 

Para o rei de Tiro, tanto sua riqueza acumulada quanto sua sabedoria diferenciada eram vistos como seu marcador de identidade divina (Ez. 28.1-5). Sentia-se um deus sentado num trono invencível. Por causa disso, o verdadeiro Deus traria estrangeiros inimigos pondo à prova sua divindade (vs. 6-10). Diante de sua própria mortalidade sua humanidade seria exposta e sua divindade desmascarada (v.9). 

A partir do versículo 12, a linguagem de Ezequiel muda drasticamente. Assim como para se fazer uma curva um veículo deve diminuir sua velocidade, senão ele continuará em linha reta, o mesmo se dá nesse ponto do texto. Temos que desacelerar nossa leitura, pois do contrário bateremos no muro que interpreta esses versículos como uma referência ao diabo. O texto de Gênesis 3 não nos diz que no Éden havia um querubim, mas que foram colocados querubins como medida de proteção para a árvore da vida (Gn. 3.24). Da mesma forma, lemos que o tentador foi uma serpente, um animal criado, e não um ser angelical (Gn. 3.1). É claro que hoje sabemos que o diabo estava envolvido, mas não podemos pensar que Ezequiel tivesse essa leitura do texto de Gênesis. Além do mais, em Gênesis vemos a presença do tentador no Éden, um ser já corrompido, mas nunca nos diz, nem em nenhum outro lugar das Escrituras, que esse tentador foi algum dia um querubim (cf. Ap. 12.9). 

O que nos resta dizer então é que Ezequiel passa a descrever o rei nos termos de sua própria divindade, descrito em linguagem celeste, não porque era divino, mas porque se imaginava assim. Penso que Ezequiel faz isso usando termos de sua própria tradição judaica bem como de alguma fábula conhecida entre os seus contemporâneos: Éden é o termo acadiano edinu, que significa planície; querubim ungido pode lembrar os querubins acima da arca; monte santo é o lugar da habitação de Deus como atestam os textos de Sl. 43.3; 48.1,2; Ez. 20.40, havendo até mesmo uma associação com o monte Zafom, montanha mítica para os fenícios (Sl. 48.2), lugar da habitação dos deuses. Temos então uma história mítica, ambientada na narrativa de Gn. 2 e 3, que fala de um ser celeste primitivo, ideal, belo, sábio, rico, mas que por seu orgulho foi expulso do jardim de Deus, ou monte santo (qualquer semelhança é mera coincidência com o imaginário popular da queda do diabo). 

O que Ezequiel diz para o rei de Tiro nos versículos 12-19 é o que já havia alertado nos versos 1-10. Ao confrontar o homem que julgava ser deus (vs. 1-10), Ezequiel diz que inimigos o enfrentariam, agora, falando com o rei como se ele mesmo fosse divino (vs. 12-19), é o próprio Deus quem o enfrentará (v. 16). O lamento que Ezequiel deveria entoar (v. 12) torna-se, na verdade, um cântico irônico.

sábado, 22 de outubro de 2016

A GRANDE HISTÓRIA, PARTE II

Já assistiu aquele filme que a trama é tão complexa que na ausência de um personagem a história ficaria completamente sem sentido? Costumamos chamá-lo de herói. Alguém que é o centro gravitacional de todos os acontecimentos. Sua função é convidar o público a enxergar “o mundo da história através de seus olhos” (Christopher Vogler). 

Na Grande História, Jesus é esse herói. Ele mesmo afirmou isso ao dizer que não veio para ser servido, mas para servir. Mais do que uma demonstração de humildade, essa afirmação descreve alguém convicto de uma vocação, agir em favor dos outros. Aliás, a palavra herói no grego significa proteger e servir. Desta forma entendemos melhor o dito de Jesus. Sendo herói, ele nos convida a enxergar a longa história do Deus Criador narrada no Antigo Testamento através de seu próprio olhar. Mas de que forma? Preste atenção para não perder nada desse longa-metragem.

Jesus é o quarto ato de um longo drama. O primeiro ato foi a criação (Gn. 1-2), o segundo ato foi a Queda (Gn. 3) e o terceiro o chamado de Abraão e seus desdobramentos (Gn. 12 até Malaquias). Deus prometeu grandes coisas para o mundo através de Abraão e sua descendência. Percebemos, porém, que a grande vocação dada a família de Abraão, de ser o estranho veículo através do qual a benção de Deus alcançaria todos os povos, não se sustenta. Israel foi infiel ao chamado de refletir Deus para o mundo, e assim como Adão e Eva, absorveu a realidade da morte para si. Nesse momento surgem flashes de um antigo casal que foi levado ao exílio (Gn. 3). A história desse casal (Adão e Eva) se repete na vida da família de Abraão (Israel).

Mas se Israel não cumprir sua vocação, o propósito do Criador de abençoar todas as nações e libertar sua criação será abortado. Deveria ele escolher outro povo e recomeçar seu plano? Sua fidelidade a aliança será anulada? Surge aqui um personagem vindo do futuro, como flash em Batman vs Superman (perdoem o spoiler), que responde essas indagações e diz: Certamente que não. Seja Deus verdadeiro e todo homem mentiroso (Rm. 3.3,4).

Deus levantará um israelita fiel, alguém capaz de levar a história de Israel ao seu verdadeiro cumprimento. Esta pessoa será para Israel o que Israel deveria ser para o mundo, o veículo da benção que alcançará todos os povos.

Surge enfim Jesus. De uma forma muito arriscada ele incorpora em sua própria vida a antiga esperança da vinda de um grande e definitivo rei, da restauração do templo, lugar da glória do SENHOR bem como do tão aguardado retorno de Deus ao seu povo. Mas como ele poderia fazer isso? Proclamando em alto e bom som: O tempo é chegado e o reino de Deus está próximo (Mc. 1.15). 

O tom revolucionário da linguagem do reino unido à esperança de sua vinda, junto às frustrações de vários movimentos messiânicos, iria romper o dique represado das águas do longo plano de Deus, varrendo o mal concretado no mundo, surgindo em seu lugar uma nova humanidade e um mundo novo.

Se a notícia da proximidade do reino foi como um raio no céu, as ações de Jesus foram o estrondo desse raio que caiu na palestina do século I. Ele curou, realizou milagres, perdoou pecados, participou de refeições, contou histórias, tudo isso para demonstrar, de todas as formas possíveis, que o reino de Deus estava sendo inaugurado na terra como no céu. Uma nova ordem estava irrompendo no mundo de espaço, tempo e matéria. O que Jesus fazia não era simplesmente curar e salvar as pessoas, mas por meio de pessoas curadas e salvas, levar os propósitos do Criador para sua boa criação.

Não entender isso é o mesmo que apreciar uma paisagem de uma janela sem antes ter retirado suas persianas. Muitas pessoas por não entenderem a vocação de Jesus, confundem, com isso, a persiana com a paisagem por detrás dela. Por exemplo: sabemos que ele veio para Israel, seu povo, mas como este não o aceitou, ele se voltou para as demais pessoas. Costumava ouvir, com base nisso, que a nossa salvação se deve ao fato de Israel ter recusado Jesus, o Messias. Os dados históricos estão certos, mas a interpretação está errada. Deus não escolheu Israel em detrimento das demais nações, mas em favor delas. O amor de Deus por Israel irradiaria para todos os povos alcançando toda a criação. O amor exclusivo se tornaria expansivo. Jesus, com isso, salva seu povo de seus pecados (Mt. 1.21) em benefício da salvação de todos os povos, não como base de alguma expiação limitada. Ele se volta para as ovelhas perdidas da casa de Israel (Mt. 10.5,6) para que Israel se volte para o mundo (Mt. 28.19,20). 

Jesus disse certar vez: O Filho do homem tem na terra autoridade para perdoar pecados (Mc. 2.10). Ao pecar, Adão perdeu sua autoridade na terra, e como consequência a maldição invadiu o mundo criado (Gn. 3.17). Ao perdoar pecados, Jesus inicia o processo de libertação da criação, pois se o pecado de Adão aprisionou o mundo, o perdão dado por Jesus o liberta. Ele assumiu a responsabilidade em seus ombros de levar ao seu verdadeiro cumprimento o que a benção de Abraão prometia e deveria lidar, mas que parecia ser incapaz de realizar. É isso o que vemos em cada página dos evangelhos. 

Ele entendia, com seu apurado conhecimento das Escrituras do Antigo Testamento, que deveria levar a história de Deus com Israel ao seu momento decisivo. Com isso em mente, se dirige para Jerusalém (Mt. 21) com a estranha missão de cumprir o tão aguardado retorno de Deus ao seu povo. Alguns profetas disseram que um dia Deus voltaria para Jerusalém e entraria no templo (Is. 40.3-5; 42.7-10; Ez. 43.1-9; Zc. 2.10-12; Ml. 3.1-4). Jesus sabe que se estiver errado, no melhor dos cenários estaria equivocado, e no pior, seria encarado como um lunático. Ele estava disposto a correr esse risco. Em Jerusalém ele conta a história de um antigo dono de terras que depois de uma longa viajem um dia retornaria (Mt. 21.40; 25.19). O proprietário em questão era Deus. Ele havia deixado seu povo durante o exílio, esse é o referencial da história. Jesus estava dizendo: a espera pelo retorno acabou, chegou o momento de Deus revisitar seu povo. Mas quem tinha entrado em Jerusalém e no templo era o próprio Jesus. A conclusão não poderia ser outra: Deus revisitou seu povo na pessoa desse jovem profeta da Galileia. A esperança se cumpriu, mas de uma forma nunca esperada. 

Ele liderou a decisiva batalha de Deus contra o mal e venceu. Mas isso será uma outra história. 

Esse é o olhar do nosso herói. Não um olhar de filósofo, mas nem por isso menos complexo, nem de um teólogo, mas nem por isso menos religioso, ou mesmo de um cientista, mas nem por isso menos objetivo. É simplesmente o olhar de Jesus.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

A GRANDE HISTÓRIA, PARTE I

INTRODUÇÃO

Todos nós gostamos de uma boa história. Somos envolvidos por um bom drama, aventura, ação ou mesmo terror. Já assistimos, ou lemos a jornada épica de três amigos rumo a terra de Mordor em O Senhor dos Anéis. Nos surpreendemos com todo um mundo contido em um único guarda-roupa, no filme O Leão a Feiticeira e o Guarda-Roupa, na aclamada obra As Crônicas de Narnia de C. S. Lewis.

Atualmente, muitos se tornaram ávidos leitores e telespectadores daquela que é considerada por muitos a maior série de todos os tempos, e a melhor obra de fantasia desde O Senhor dos Anéis. Me refiro, neste caso, a Game Of Thrones. Somos impactados com a trama, não linear, e com o fim inesperado de alguns personagens.

Contudo, posso afirmar, sem sombra de dúvidas, que o maior drama e enredo jamais inventado se encontram na Bíblia. Como assim? Não seria a Bíblia um mero livro composto por um conglomerado de ensinos que muitos não entendem, ou mesmo que devem praticar, mesmo sabendo que seja impossível em nosso mundo pós-moderno? Isso não passa de uma caricatura imposta neste fascinante livro.

A Bíblia narra a história de Deus. De um Deus gracioso, que em amor criou um mundo repleto de vida, beleza e justiça, mas que infelizmente saiu dos trilhos em decorrência de suas próprias criaturas. Narra o seu envolvimento dentro desse mundo, num empenho incansável de concerta-lo, trazendo sua antiga beleza, justiça e bondade, resgatando em suas criaturas, a vocação que Ele mesmo nos deu, refletir sua imagem nesse mundo. Todo esse propósito grandioso (não poderíamos esperar nada menor Dele) seria alcançado por um acontecimento chocante, para espanto de todos, trazendo fim a tudo o que desfigurava sua criação resgatando-a por completo.

DEUS, AUTOR E PRINCIPAL PERSONAGEM 

O lugar onde Deus habita é chamado de céu na Bíblia (Ec. 5.2; Sl. 115.16). O céu é o espaço de Deus. A dimensão do Criador. Ele habita no céu, sem deixar de estar presente na terra. Não é um lugar dentro do nosso universo de espaço-tempo. Na verdade é outra dimensão. Outro mundo. Tão real e concreto como o nosso. 

O céu e a terra são dois mundos distintos, mas não opostos. Podemos dizer que o céu e a terra, o mundo de Deus e o nosso encontram-se separados por uma porta de um guarda-roupa, como na já citada obra de C. S. Lewis.  

A Bíblia relata que esse Deus é alguém completamente envolvido com sua criação. Ele cuida dela como um pai amoroso cuida de seu filho. Envia chuva, sol, faz crescer a vegetação, alimenta os animais do campo. Tudo isso porque faz parte de sua natureza envolver-se com o que Ele criou. Em outras palavras, Ele é AMOR. Em alguns momentos Ele nos surpreende, chamando nossa atenção de maneira inesperada, um presente fora de época, semelhante a alguém que faz uma inimaginável declaração de amor. Queremos dizer com isso que Deus realiza milagres.

O CHAMADO A AVENTURA

O chamado de Abraão é o centro gravitacional de toda a história do Antigo Testamento. É o plano arriscado de Deus para endireitar toda sua criação. O Criador livremente estaria se comprometendo em colocar todas as coisas em ordem. Por meio de Abraão e sua descendência, Deus abençoaria o mundo (Gn. 12.1-3). O chamado de Abraão é na verdade o projeto divino que resolveria tudo aquilo que aconteceu entre Gn. 3-11. Um novo ato dentro de um mundo que se tornava cada vez mais velho. O pecado demonstrou todo seu poder devastador em escala global, do jardim para o mundo todo, do primeiro casal para toda a humanidade. Deus não entregaria o mundo a sua própria sorte. 

Em Gn. 3 somos transportados para um momento confuso do mundo criado por Deus, que precisamos sempre lembrar, era muito bom. Algo tinha saído do lugar. Alguma coisa não estava certa. Uma serpente conversando com uma mulher parecia indicar que as coisas estavam ficando fora de ordem. O homem, de maneira infundada, desconfiou da bondade de Deus, recusou sua autoridade e por fim desobedeceu ao seu mandamento: não comer do fruto proibido. 

Tudo isso fez com que o mundo ficasse de cabeça para baixo. A maldição invadiu o mundo de benção. A feiura corrompeu toda a beleza criada. A morte como sentença pela desobediência irrompeu na estrutura do mundo criado. O homem é expulso de seu lar. As coisas se tornaram difíceis. Mas ainda assim, Deus demonstrou sua fidelidade apesar do comportamento errado do homem. A benção dada por Deus à sua criação não foi revogada. O homem e a mulher ainda teriam filhos. O trabalho continuaria existindo, mas com certa dificuldade. A vida resistiria a inevitabilidade da morte (Gn.5). 

Em Gn. 6 nos espantamos com o avanço do pecado. Tornou-se uma verdadeira pandemia. A humanidade vai de mal a pior. Em uma triste decisão, Deus resolve pôr fim a quase tudo que Ele um dia criou. Parece que o bondoso Criador vai abrir mão de sua criação. Mas não é isso que acontece. Ele salva uma família como demonstração de sua graça bem como uma porção de animais. Ele sabe que está preservando a parte de uma humanidade já deteriorada. Noé, pouco tempo depois de sair da arca, embriagasse.

Por fim, chegamos a Gn. 11. O retrato de um povo orgulhoso, cuja construção, outra coisa não é, senão a exteriorização do seu próprio ego, a torre de Babel. Desejam subir ao céu, mas o que fazem é projetar uma terrível sombra na terra. A primeira rebelião unificada contra Deus. Em juízo, Deus espalha os construtores, impedindo o seu projeto, não por sentir-se ameaçado, mas como medida de proteção para uma humanidade que não sabe o poder destrutivo do mal que tanto usa.

Nesse contexto é que se encontra o chamado de Abraão. O projeto onde a benção substituiria a maldição, o caos daria lugar a ordem e o bem venceria o mal. Mas será que isso daria certo? Diante de um cenário de desesperança o que Deus poderia ter feito? Destruir o homem e abandonar todo seu projeto para com o mundo criado. Não foi isso que ele fez, embora seja isso que alguns pensem que ele fará um dia. Deus assumiu a responsabilidade de consertar, redimir, restaurar o homem em particular e a criação em geral. Mas como? Pondo em andamento um longo, complexo e perigoso projeto de resgate. Ele escolheria, criaria e formaria uma nação especial, tudo isso em favor desse mundo. A maldição entre as nações (Gn. 11) seria superada pela benção que alcançará todos os povos (Gn. 12).

A promessa da terra faz parte dessa grande estrutura narrativa. O projeto de resgate iniciado com a escolha de Abraão possui um elemento fundamental, um fio condutor: a promessa de uma terra. Esse é um tema presente em todo o Pentateuco, Josué, Juízes até a extensão do território da terra com as ações políticas e militares do rei Davi. 

No Pentateuco a promessa é feita, mas não encontramos o seu cumprimento. Veja Gn. 12.1 com Dt. 34.4. Em Josué, ficamos sabendo da invasão, conquista e distribuição da terra. A promessa enfim foi cumprida. Mas, para aqueles que achavam que tudo seriam flores, logo em seguida nos deparamos com o livro de Juízes. Encontramos uma conquista incompleta. A luz da promessa parece projetar uma enorme sombra de incerteza. A terra se torna um lugar de lutas, de sobrevivência. Os filisteus surgem como um grande empecilho para a posse da terra. Samuel, o último dos juízes consegue uma importante vitória sobre os filisteus. Mas foi uma vitória parcial (1Sm. 7). Saul surge como esperança para o caos que ameaçava o povo. Infelizmente os filisteus conseguem uma considerável vitória sobre os israelitas (1Sm. 31). Somente com as campanhas militares de Davi, e com seu inigualável gênio político, os filisteus foram derrotados e as fronteiras da terra prometida puderam ser expandidas (2Sm. 8 e 10).

O progresso proporcionado com a morada na terra da promessa, ao invés de trazer prosperidade em larga escala, trouxe opressão para a maioria dos cidadãos desprotegidos. As grandes construções promovidas por Salomão trouxeram um peso insuportável para (1Rs. 12.4). Nesse caldeirão de acontecimentos surge uma mensagem de ameaça, promovida pelos profetas, ao estabelecimento da terra. Algo novo e impensado. Um dos mais antigo desses profetas literários foi Amós. Veja o que ele disse em Am. 5.2. O tom ameaçador de suas palavras sobe uma nota não escutada ainda pelo povo de Israel. Confira em Am. 5.21-27. A coisa foi tão assustadora e aparentemente herética, que Amós foi obrigado a se calar. Mas veja o que aconteceu (Am. 7.10-17). 

As palavras de Amós se cumpriram em duas etapas. Primeiro com a queda do reino do Norte, com sua capital em Samaria, sob o poder dos Assírios, no ano 721 a.C. Depois com a queda do reino do Sul, a região de Judá, com sua capital em Jerusalém, no ano 587 a.C, sob o poderio da grande Babilônia. O texto de Lv. 26 e Dt. 28, já do conhecimento do povo, se tornou uma triste realidade. Foram banidos da terra. 

Setenta anos depois a Babilônia caiu sob o domínio da Pérsia. Nesse tempo ocorreu o retorno ao lar (Sl. 126). Todavia, o povo se encontrava escravo em sua própria terra natal. Seria essa a restauração, o resgate? Entre os profetas surgiu, assim, a promessa do retorno da presença de Deus (Ez. 37.27 e Ml. 3.1), ou do retorno do SENHOR a Sião. Essa presença renovada de Deus estaria ligada a esperança de um templo restaurado (Is. 2.2,3; Mq. 4.1,2), estabelecimento da justiça e do começo da reordenação do mundo criado. Mas como se daria isso? Não sabemos ainda.

De que forma essa complexa história chegaria a um clímax e resolução? Como saber se o começo promissor de Gn. 1 e 2, mas que foi abortado em Gn.3 seria reiniciado uma vez por todas? Assunto para nosso próximo post. Até lá.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

UM TESTEMUNHO DE QUEM FOI JESUS

Se pudéssemos voltar ao primeiro século e perguntássemos a algum judeu-cristão quem foi Jesus, ele poderia nos responder mais ou menos isso:
Bem, sobre essa pergunta, eu posso lhe dizer que ele foi um homem notável. É claro que seu nome era bastante comum, mas somente ele foi o único que encarnou o seu verdadeiro significado, O SENHOR SALVA. Sua família era pobre. Seu pai, inclusive, era um carpinteiro, profissão esta que ele mesmo herdou. Muito cedo Jesus assumiu a responsabilidade pelo cuidado de sua mãe Maria e de seus demais irmãos. Parece que José morreu ainda quando Jesus era muito jovem.
O que espantou as pessoas em nossa época é que Jesus não teve nenhum treinamento profissional – se teve, não sabemos – que o tornasse aquele grande mestre e pregador que foi. Sua sabedoria e rapidez de raciocínio eram de admirar. Digo isso porque ele veio da cidade de Nazaré, lá da Galileia. Que coisa hein!
Ele realizou feitos que existiam somente em nossa memória, algo que poderíamos comparar às narrativas do Êxodo, em suas vívidas descrições do poder de Deus. Tinha-se a certeza que algo de surpreendente estava acontecendo através dele. Algumas pessoas, não podendo negar seus milagres, tentaram desmerecer seus feitos. Essa tática não deu certo. Isso me chamou a atenção. Se Deus estava realizando todos aqueles milagres por intermédio de Jesus, Deus estava validando seus ensinamentos assim como outras realizações. Em outras palavras, Deus estava com ele e por meio dele conosco – lembra o EMANUEL, DEUS CONOSCO? É isso que quero dizer.
Sim, já ia me esquecendo. Ele gostava muito de contar histórias. Quanta imaginação! Penso que ele seria um ótimo escritor. Atraia a atenção de crianças e adultos, de aliados à inimigos. Ele narrava essas histórias com tanta convicção, que pude perceber algo: ele possuía a consciência de uma vocação especial. Ele sabia que deveria fazer algo que somente Deus poderia fazer, concertar nosso mundo. Peço desculpas, mas isso me emociona. Sempre que recordo esses eventos me vem lágrimas aos olhos. Deixe me recompor. Onde estávamos? Lembrei!
Alguns dias antes do trágico evento, ele se dirigiu para Jerusalém e contou uma história sobre um proprietário de terra que depois de ter partido havia retornado para encontrar com seus empregados. Sabíamos que o proprietário na história era o Deus de Israel. Ele nos deixou durante o exílio, mas tínhamos a promessa de seu retorno. Não sabíamos quando seria, muito menos como isso ocorreria. Mas era certo que quando isso acontecesse Deus retornaria para a cidade de Jerusalém e se faria presente no templo.
O Espírito criativo de Deus nos pegou de surpresa mais uma vez. Como seria a cena do retorno de Deus? Consegue imaginar? Então preste atenção! Quando Jesus entrou na cidade de Jerusalém montado num jumento e logo em seguida se dirigiu ao templo, pude entender: Deus havia retornado ao seu povo na pessoa desse jovem profeta de Nazaré. Quando compreendi isso, fiquei sem palavras. Brotou dentro de mim um estado de alegria tão grande, que na ausência de palavras, o som que se ouvia era de minhas mãos batendo palmas. Foi um grande ato de um fascinante enredo. Mas isso não é tudo.
Quando recebemos a notícia de sua condenação à cruz, foi como se derramassem um balde de água gelada em nossas cabeças. Um tremendo susto!
Pelo alto grau de maturidade de Jesus, é claro que ele sabia que sua situação em Jerusalém não seria das melhores. Mas inda assim ele foi para lá na época da Páscoa. Não evitou ser preso, nem tentou fugir depois de pego. Agora entendo que sua morte não foi um equívoco, uma tragédia.
Na cruz, Deus, por meio de Jesus, lidou com o mal, puniu o pecado, derrotando-o completamente. Carregou o peso de toda a maldade em seus próprios ombros. Ele conduziu ao seu momento decisivo na cruz, o longo plano do Deus criador de resgatar o mundo do mal e endireitar todas as coisas. A cruz foi o centro do mundo naquela sexta-feira. O lugar onde a dor, vergonha e culpa do mundo se concentraram numa única pessoa.
Se Deus havia retornado para seu povo, por que ele morreria? Ele não deveria trazer justiça e salvação? Como entender sua morte? Isso só foi possível depois de três dias. Veja bem: não bastava a personalidade de Jesus impressionar tanto as pessoas? Não foi suficiente Deus nos surpreender com seu retorno em Jesus? Ter nos dado o susto de sua morte na cruz? O que mais poderíamos esperar? Isso que vou lhe falar, com certeza não esperava: ele, depois de três dias de morto... RESSUSCITOU.
E o que poderia falar disso? Alguns dizem que foi algo inventado. Impossível! Ninguém nunca pensou que o Messias haveria de morrer, quanto mais de ressuscitar. Você acha que se tivéssemos inventado isso colocaríamos as mulheres como as primeiras testemunhas desse evento, sabendo que o testemunho feminino não tinha validade em nossa época? Claro que não. Eu sei, você pode estar pensando: “ressurreição é algo que não acontece atualmente”. Concordo. Em nossa época também. As evidências de que pessoas mortas continuam mortas são sempre as mesmas, não importa o tempo. Não precisamos da ciência para nos ensinar isso. Mas acredite, ele ressuscitou. Não para morrer de novo, como Lázaro, lembra? Ele ressuscitou para uma nova espécie de vida corporal. Ele é o Senhor do mundo. Aleluia!     

O MAL DAS TRAGÉDIAS

Isso é algo que me preocupa, sempre que ouço ou leio declarações de cristãos que buscam explicar uma razão para as tragédias. Desde “Deus sabe o que faz” ao “não entendemos os planos de Deus”, percebo que tais asserções fazem parte da própria realidade do mal, revelando assim, sua absoluta maldade. Digo isso porque o mal das tragédias não está restrito somente à dor do evento ocorrido, mas se estende às próprias explicações do acontecimento trágico.

No imaginário evangélico popular, e até mesmo secular, acredita-se que tudo nesse mundo tem alguma explicação, uma razão de ser, um propósito. Para alguns, a origem explicativa de tais tragédias seria o destino cego, para outros, o Deus revelado na Bíblia. Será? Para os que me conhecem já é de se esperar que a resposta será negativa.

Não penso que a história encontra-se sem direção, ou que não tenha sentido. Não vejo, todavia, como sustentar uma visão de mundo fatalista, onde o que acontece deve necessariamente acontecer. Algumas coisas não deveriam acontecer, e ocorrem mesmo contra a vontade de Deus. Deus dirige a história apesar dos eventos contrários. Deus governa todas as coisas, mas nem por isso dirige, conduz cada ação que ocorre no tempo. Ele conhece tudo o que acontecerá, mas isso não quer dizer que determinou tudo o que acontece.

É bem verdade que nenhum dos propósitos de Deus podem ser frustrados (Jó 42.1). Isso é verdade. Não podemos, agora, absolutizar e afirmar que tudo no mundo acontece com algum propósito divino. Algumas coisas não possuem nenhum sentido ou propósito. Posso afirmar que tudo o que acontece no mundo e tenha relação direta com o caráter de Deus revelado em Jesus, possui um propósito. Mas se algo que acontece, destoa, mesmo que aparentemente do caráter de Deus, é necessária uma revelação objetiva (não o uso de algum texto bíblico) que afirme que o evento em questão coadune com a vontade de Deus, e isso não temos.

Diante da tragédia somos chamados a levar a presença de Deus no lugar onde o mundo sofre, e não fornecer explicações para o ocorrido. O Deus que não explica a tragédia é o mesmo que consola. Diante da dor o lamento é que deve ser ouvido e não alguma explicação para o possível sentido do evento trágico. O mal em si mesmo não faz sentido. “Como pés desfigurados, deformados demais para entrar em sapatos, esses acontecimentos opõem resistência a qualquer sentido positivo. Qualquer sentido positivo que possamos lhes emprestar parece privá-los de sua profunda hediondez”. Miroslav Volf.

Pelas razões expostas acima, em situações trágicas, como a morte de um bebê ou criança, por exemplo, ao invés de falarmos que Deus o levou, deveríamos afirmar que Deus o acolheu em seus braços.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

BATISTA AO TELEFONE


Ao assistir televisão no primeiro domingo de 2016, e último de minhas férias, me deparei com o canal que transmitia a programação da igreja plenitude do trono de Deus (ou seria deus?). O programa era ao vivo, e estava sendo apresentado pelo apóstolo (o nome não importa, é mais um apóstolo). Ele atende ao telefone, e para minha surpresa, a pessoa do outro lado da linha era uma crente batista. Como? Isso mesmo, batista.

Ela desejava participar do evento que ocorrerá em fevereiro aqui no Brasil com Benny Hinn. É isso mesmo, Benny Hinn. Logo pensei: “2016 não começou bem para o Brasil”. Imediatamente o apóstolo ficou surpreso. Seus olhos até lacrimejaram, pois para ele, era uma batista que acreditava na “unção do Espírito”. Trechos das performances de Benny Hinn, semelhantes ao hadouken do game Street Fighter foram mostradas, onde ao canalizar as forças do Espírito (ou espírito?) com um leve movimento das mãos, fez as pessoas caírem, trêmulas, ao chão.

Desejo, nesse post, como batista, expor aquilo que acredito sobre o Espírito Santo, diferenciando radicalmente daquilo que tanto o apóstolo em particular, quanto os neopentecostais em geral, julgam ser a minha crença.

A crença no Espírito Santo não se deve aos neopentecostais. O credo apostólico, séculos III e IV, por exemplo diz: “Creio no Espírito Santo...”. O credo de Nicéia, ano 325, temos: “Cremos em um só Deus [...] E no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do pai e do Filho...” Por isso concordo com a afirmação de N. T. Wright que disse: “Sem o Espírito de Deus, a igreja deixa de ser igreja”. 

Nunca é demais afirmar que sendo batista creio no batismo com ou no Espírito Santo. É claro que não defendo a ideia desse batismo como algo que ocorra após a conversão. Entendo, sim, que ele acontece no ato da conversão, momento em que o Espírito faz morada na vida do convertido (1Co. 12.13; 2Co. 1.21,22; G. 3.1-3; Ef. 1.13,14).  

O texto de Atos 2 (tão usado por pentecostais e neopentecostais), tem a finalidade de descrever o cumprimento da Torá (Lei) e a renovação da aliança por meio da descida do Espírito na vida dos discípulos, e não a comprovação da ideia de uma segunda benção na vida dos cristãos atuais. Até hoje, o Pentecostes é celebrado pelos judeus como o momento da entrega da lei. Depois da celebração da Páscoa, os israelitas saíram livres do Egito, caminharam pelo deserto, e após cinquenta dias chegaram ao Monte Sinai, lugar da entrega da lei.

Tendo isso em mente, Atos 2 pode emergir como um fascinante texto acima da superfície de leituras equivocadas. Ao ressuscitar no domingo de Páscoa, Jesus tinha realizado um novo êxodo, o maior de todos os êxodos. Deu fim à escravidão, trouxe liberdade e abriu as portas de um novo mundo. Ficou com os discípulos durante quarenta dias, tendo ido em seguida para a dimensão de Deus, o céu. Dez dias depois, no Pentecostes, o Espírito Santo desce sobre os discípulos, assim como Moisés desceu do monte para entregar a lei. Nesse Pentecostes Deus renova sua aliança, gravando-a não em pedras, mas no coração de seus seguidores, o cumprimento de Jr. 31.31ss; Ez. 36.24-27. Com esse novo modelo de vida, marcado pela dinâmica do Espírito, eles seriam verdadeiramente o povo redefinido de Deus. Deus agiu decisivamente – Lucas teria dito – não no fim, mas no meio da história com esses eventos.

Creio que somos a morada do Espírito Santo, as pessoas onde o céu pode se encontrar com a terra (1Co. 3.16; 6.19; cf. Rm. 8.9-11). De maneira especial, somos guiados por essa presença misteriosa Rm. 8.13-17. Não se surpreenda com mais um paralelo com a história do Êxodo. O Espírito nos conduz da mesma forma que a Nuvem conduziu os israelitas pela peregrinação no deserto em direção à terra prometida. Por meio de Jesus e do Espírito, Deus pôs fim ao exílio iniciado quando Adão e Eva foram expulsos do paraíso, realidade que todos se encontravam. Paulo mesmo disse: “Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” (Rm. 3.23).

O Espírito, desta forma, é a garantia de nossa herança (Ef. 1.14). Na estrutura narrativa de toda sua reflexão, Paulo relembra mais uma vez, somente nesse versículo, a história do êxodo, paradigma do agir salvífico de Deus ao longo da história bíblica. A herança prometida a família de Abraão foi um pequeno pedaço de terra, lugar onde Deus habitaria com seu povo. Somos, diria Paulo, o povo multiétnico liderado pelo Espírito em um grande êxodo. Aquilo que aconteceu na morte e ressurreição de Jesus no período da Páscoa, o novo êxodo, continua de maneira surpreendente na vida daqueles que são morada do Espírito, em direção a herança prometida, a renovação e libertação de todo o mundo criado. Leia Rm. 8.12-25 e note como o Espírito nos conduz em direção à libertação de toda a ordem criada.

Por fim, o que tenho a dizer é que o Espírito de Deus torna possível vivermos no mundo presente à luz do novo mundo que ao surgir no domingo de Páscoa com a ressurreição de Jesus, tornou-se visível com o derramamento do Espírito no dia de Pentecostes.

Infelizmente a crente batista ao telefone descrita anteriormente, é um exemplo de uma triste constatação de muitas igrejas de minha denominação. Por desconhecer (tanto por desinteresse quanto por ineficiência do que é anunciado dos púlpitos), muitos descobrem doutrinas equivocadas em detrimento do real ensino da Bíblia. 

 Fim da chamada.

sábado, 2 de janeiro de 2016

ANO NOVO, VELHAS SUPERSTIÇÕES

Todos nós sabemos o quão supersticioso é o nosso Brasil. Herdamos tradições sobre o que não comer em determinado horário, assim como do perigo em juntar determinados alimentos numa combinação fatal. Com o início de um novo ano, essas superstições afloram numa espécie de erupção vulcânica de crendices, lançando cinzas ofuscantes em qualquer mente equilibrada.

Pular ondas, vestir branco, amarelo, vermelho (ainda não entendo porque não usar logo uma combinação de todas essas cores no réveillon), comer lentilhas, guardar uma nota de dinheiro dentro do sapato, pular só com o pé direito (para minha surpresa a razão disso está na Bíblia, pois o que está à direita é sempre bom). Os exemplos poderiam ser multiplicados em 472.000 resultados, que foi o número de páginas encontradas pelo Google.

Nos telejornais, muitas são as matérias que exaltam esse aspecto do povo brasileiro. Os repórteres demonstram ser bem-humorados e afetuosos quando cobrem essas matérias. Até mesmo pessoas são entrevistas como exemplos de comprovação da eficácia (algumas vezes é claro) de todo esse emaranhado de crenças.

O último dia do ano serve para mostrar que a imprensa sabe lidar muito bem com todo tipo de expressão religiosa, exceto com àquela que encontramos nas páginas da Bíblia, a tradição judaico-cristã. Não há problema em expor todas essas superstições, pois elas são o que são, superstições, em outras palavras, produto da mente humana (ou do não uso dessa mente). Se elas forem verdadeiras, não se espera com isso nenhuma mudança no mundo. Elas dependem da fé de alguns, e os demais que descreem em nada serão confrontados.

É aqui que reside todo tipo de resistência com a mensagem cristã. Não me refiro ao que se ouve atualmente pela televisão, mas ao que pode ser lido diretamente na Bíblia. O que nós encontramos? Você não terá, para tristeza de alguns, um novo tipo de superstição para um novo ano, mas sim uma grande história para toda uma vida.

Nos evangelhos vemos Deus, por meio de Jesus reivindicar o mundo como sendo inteiramente seu por direito. Jesus é a resposta de como seria se Deus governasse esse mundo. Como seria seu governo sábio e soberano? Seria um mundo de cura, justiça, relacionamentos verdadeiros, auxílio aos menos favorecidos.

Os evangelhos descrevem a história de como Deus, por meio de Jesus de Nazaré se tornou rei. Nos convocam a participar dessa história. O Reino de Deus, de acordo com essa narrativa, é o confronto com tiranias desumanizadoras, e não a vinda de um tirano (a vinda do Senhor é aclamada em Is. 40.1-5). Existem tiranias que nos desumanizam na área econômica, moral e espiritual: gasta-se uma fortuna em um único jantar, que é mais do que muitos ganham em todo um mês de trabalho. Pagar por algumas refeições chega a ser imoral diante de tanta miséria no mundo. As ideologias homo afetivas, de gênero e afins, nos levam para uma espécie de humanidade deteriorada que não reflete a imagem de Deus no mundo. O tipo de espiritualidade mercantilista que tornou a igreja em escândalo e não testemunho no mundo, nos assombram dia após dia. O Reino de Deus confronta todas essas tiranias (1Co. 6.9-11; 1Tm. 6.6-10).

Não confunda isso como se o reino de Deus fosse algo dentro de nós. Um reino que se faz presente no coração do homem, é algo inofensivo. Um Jesus que reina somente no coração do homem é um Jesus inofensivo. Se esta fosse a linguagem dos primeiros cristãos, o cristianismo não teria criado nenhum problema com o império romano (At. 17.5). Os imperadores não teriam visto nenhum problema com um Jesus que morre e ressuscita para morar no coração dos seus seguidores (embora ele se faça presente em nossos corações). Não. Jesus morreu e ressuscitou na história. Existiu verdadeiramente um túmulo vazio. Ele não se encontra vivo em nossos corações, mas morto no túmulo. Ele morreu para derrotar o mal e ressuscitou para reivindicar o mundo como sendo seu, chamando todos a uma prestação de contas, tanto governantes quanto governados. Ao ascender ao céu, o mundo não visto, tão real e natural como o nosso mundo visível, Jesus governa toda a sua criação. Ele é o verdadeiro Senhor do mundo. Estabeleceu seu governo global, o reino de Deus. Inaugurou o pedido do “venha o teu reino”, e completará seu programa já iniciado, mas ainda não concluído, em seu aparecimento glorioso.

As pessoas não conseguem lidar com o Jesus que morreu e ressuscitou para um novo tipo de vida corporal. Se essa mensagem for verdade, e ela é, todas as superstições, crendices e ideologias estão em sérios apuros, pois todos, um dia, serão chamados a uma prestação de contas.

Não é o ano novo de 2016 que deve ser saudado, mas sim Jesus, o Messias, rei em todo esse mundo que deve ser aclamado em 2016. Rapidamente 2016 será velho, assim como suas superstições. Jesus, por sua vez, é o mesmo ontem, hoje e sempre.