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terça-feira, 27 de outubro de 2015

MINHA VISÃO DE FUTURO


Nunca gostei de filmes musicais. Mesmo pequeno, qualquer desenho da Disney que tivesse música em demasia, me tirava do sério. Não possuo nenhum dom na área da música. Quando tinha uns oito anos, me atrevi a cantar na igreja – até hoje me pergunto como aquilo pôde ter acontecido e porque me deixaram cometer um ato de tamanha insanidade. Cantei o sucesso da época: Toc, Toc, Toc, alguém me bate à porta.... Depois disso, nunca mais cantei um solo.

Por que estou falando isso, se o tema de nosso post é sobre minha visão de futuro? Primeiro, porque sempre me disseram que o objetivo de nossa salvação, quando da vinda de Jesus, seria cantar para sempre no céu – seria isso uma punição por nunca ter assistido um único musical da Disney? Em segundo, a cor desse lugar seria, no melhor dos cenários, mera variação de tons de branco, e no pior, exageradamente monocromática, branco nas roupas e nas nuvens.

Minha visão de futuro é mais dinâmica, possui lugar para os cânticos assim como para o branco, mas não se encerra nisso. Ela é espiritual, mas nem por isso, menos concreta, material. Tem lugar para o céu, mas não exclui, em hipótese alguma, a maravilhosa terra. Engloba a vida humana redimida, e para espanto de alguns, a própria vida animal e vegetal.

Essa minha esperança, não confunda com otimismo, tem seu fundamento na ressurreição de Jesus. Creio, como bem tem destacado alguns recentes teólogos, que Deus fará por sua criação, aquilo que ele fez por Jesus no domingo de Páscoa, uma nova criação. Enquanto alguns esperam a destruição do mundo, aguardo o momento de sua restauração completa. Anseio pelo dia que teremos rios cheios, mas sem enchentes destruidoras; progresso que trará luz ao mundo, sem a sombra da corrupção ou exploração; riqueza e diversidade cultural abençoada, dignificada e redimida, sem nenhum indício de sua degradação atual.

A Bíblia é muito clara sobre tudo isso, mesmo que para visualizarmos esse cenário, tenhamos que atravessar a grossa camada de tradição cristã ocidental enraizada em nossa mente, que descreve uma esperança futura etérea, celestial e não terrenal.

Minha esperança em Deus como Salvador não anula a certeza de que Ele continua sendo o Deus Criador. Salvação e criação andam de mãos dadas na Bíblia. Isso foi notado por Von Rad, em sua Teologia do Antigo Testamento com base nos seguintes textos: Is. 44.24; 54.5; 51.9,10. Podemos dizer que a salvação é sempre em favor da criação, por isso, ao salvar, Deus reafirma o que criou. Agindo salvificamente, reafirmando a criação, Deus a torna nova, produzindo com isso, uma nova criação, não do nada ou do zero, mas da já existente.

Jesus, tanto em sua morte e ressurreição, é a chave para esse entendimento. Numa espécie de semana da criação, ele, na sexta-feira, morre, completa sua obra (está consumado), no sábado, sétimo dia, descansa na sepultura, e de maneira surpreendente, no domingo, primeiro dia da semana, ele ressuscita, iniciando no meio da história e não no final, dentro desse mundo e não fora, uma nova semana da criação, o primeiro dia de um novo mundo. A obra da redenção atinge o seu ápice de correspondência com o relato da criação de Gênesis, quando Jesus sopra o Espírito nos discípulos (Jo. 20.20,21), num claro indício ao ato divino em soprar o fôlego de vida em Adão (Gn. 2.7). Assim como Adão foi chamado a explorar o novo mundo, os discípulos de Jesus, energizados pelo Espírito Santo, são vocacionados a compartilhar as descobertas de um novo mundo e uma nova humanidade que emergiram do túmulo no domingo de Páscoa.

Quando o Filho de Deus se encarnou, houve tanto uma identificação com o ser humano, quanto com o mundo do qual o próprio homem foi criado. A redenção de um implica necessariamente na redenção do outro. Somos salvos como parte do grande plano divino de salvar toda a criação. Se o aprisionamento de Adão ao pecado trouxe maldição em toda a criação (Gn. 3.17,18), a libertação do homem trazida por Cristo se espalhará por toda a ordem criada (Rm. 8.18-23). A cruz possui, com isso, uma dimensão pessoal quanto cósmica (At. 3.19-21; Ef. 1.10; Cl. 1.20).

Dito isso, posso afirmar que minha esperança encontra-se bastante fundamentada nas páginas da Bíblia. Por meio dela vislumbro o seguinte: um novo mundo inundado de vida, encharcado pela presença de Deus, sua justiça, bondade e beleza. Um mundo onde os espinhos que brotaram do Éden serão substituídos pela diversidade de árvores e plantas ornamentais (Is. 55.13; Ez. 47.12); riqueza cultural acumulada ao longo de milênios de história humana (Ap. 21.24-26); exaltação da sabedoria divina e celebração de toda a beleza da nova ordem criada, por meio da música, arte, literatura e afins; harmonia do reino animal, onde as polarizações entre caçador e caça serão completamente abolidas (Is. 11.1-9); integração de todos os povos, marcados pela busca do bem comum (Is. 2.2-4) – um mundo onde a vida venceu a morte, a beleza superou a feiura, o caos deu lugar a ordem.

Bem, essa é a minha esperança. Não poderia ser outra. Afinal de contas, não sei cantar.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

INCOERÊNCIA

Não é preciso observar muito, para vermos o quão incoerente o cristianismo brasileiro tem se tornado. Julgamos ser o grupo que possui a verdade da revelação divina, mas infelizmente temos sacrificado a verdade no altar de um comportamento mentiroso. Somos tão diversos que é quase impossível vermos alguma unidade. Nos polarizamos entre um intelectualismo frio da fé e um emocionalismo anti-intelectual revestido por uma fina camada de algo chamado “mover no Espírito”.

Criticamos, enfaticamente, qualquer natureza de idolatria na vida de uma pessoa, desde que isso esteja relacionado com uma imagem de escultura. Tiramos da igreja, ao longo do tempo, qualquer objeto que pudesse levar alguém a um comportamento semelhante. No entanto, “jogamos a criança fora junto com a água suja da bacia”. Não somos reverentes no ambiente de culto, pois jogamos fora junto com as imagens a atitude de reverência e contemplação que elas evocam – deixem-me antecipar, neste ponto, qualquer grito dos meus possíveis inquisidores. Não quero que imagens sejam inseridas nas igrejas protestantes, mas não penso que a ausência completa de qualquer símbolo ou mesmo elementos estéticos em nossos templos, tenha sido benéfico para nós.

Como pessoas que desejam uma vida saudável, mas que não fazem exercícios ou mesmo uma dieta equilibrada para alcança-la, nós não queremos imagens de escultura, mas inserimos ídolos na igreja, um equivalente evangélico como substituto. N. T. Wright, em uma de suas observações, nos diz o seguinte: “Você pode mandar Deus ou deuses para longe, como um parente idoso desagradável. Todavia, a história mostra várias vezes que outros deuses se infiltram silenciosamente para ocupar o lugar deles”. Foi isso exatamente o que aconteceu.

Em algumas igrejas encontramos tantos símbolos do judaísmo, tais como candelabro, estrela de Davi, arca da aliança, que ainda me pergunto como elas podem ser vistas como cristãs. O que mais me fascina é que não temos a cruz, símbolo tanto da vitória de Deus sobre todo o mal como do seu amor e justiça. A cruz, segundo eles, seria símbolo católico. Se isso fosse verdade (o que não é), desde quando candelabro, estrela de Davi ou arca da aliança são símbolos cristãos?

Não temos, é bem verdade, um altar para imagens, isso porque as nossas não são imóveis, mas dinâmicas, não são ídolos em forma humana, mas humanos que se tornaram ídolos. Eles são artistas musicais ou líderes eclesiásticos. Os primeiros, cantam usando o nome de Jesus, mas recebem a adoração para si mesmos. Por serem exaltados por seus súditos, compõem músicas que exaltam o homem em detrimento da glória de Deus. O segundo grupo, ou panteão de ídolos, criam comunidades que reflitam suas próprias imagens. Esses grupos não possuem a fidelidade irrestrita a Jesus, mas sim aos seus líderes. Alguns deles, por exemplo, tem suas fotos estampadas na entrada de seus templos, mas é claro, ainda assim, condenam imagens de escultura. Eles são unidos pela desunião. Abrem igrejas não pelo crescimento de novos convertidos, mas pela divisão de comunidades já estabelecidas. E num claro indício de incoerência, depois de dividirem a igreja, buscam unir os cristãos em eventos em praça pública.

Não sei qual tipo de ídolo é mais ameaçador para a igreja, se o inanimado, que não fala, não ouve, nem vê, ou o que vê, fala, canta, prega e lidera algumas comunidades religiosas. Mas uma coisa está bem clara: os ídolos de gesso, foram facilmente removidos da igreja, já os de carne e sangue, há muito tempo removeram o próprio Deus de suas comunidades.

Incoerência, incoerência, diz o nosso post, há muita incoerência.