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quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

BATISTA AO TELEFONE


Ao assistir televisão no primeiro domingo de 2016, e último de minhas férias, me deparei com o canal que transmitia a programação da igreja plenitude do trono de Deus (ou seria deus?). O programa era ao vivo, e estava sendo apresentado pelo apóstolo (o nome não importa, é mais um apóstolo). Ele atende ao telefone, e para minha surpresa, a pessoa do outro lado da linha era uma crente batista. Como? Isso mesmo, batista.

Ela desejava participar do evento que ocorrerá em fevereiro aqui no Brasil com Benny Hinn. É isso mesmo, Benny Hinn. Logo pensei: “2016 não começou bem para o Brasil”. Imediatamente o apóstolo ficou surpreso. Seus olhos até lacrimejaram, pois para ele, era uma batista que acreditava na “unção do Espírito”. Trechos das performances de Benny Hinn, semelhantes ao hadouken do game Street Fighter foram mostradas, onde ao canalizar as forças do Espírito (ou espírito?) com um leve movimento das mãos, fez as pessoas caírem, trêmulas, ao chão.

Desejo, nesse post, como batista, expor aquilo que acredito sobre o Espírito Santo, diferenciando radicalmente daquilo que tanto o apóstolo em particular, quanto os neopentecostais em geral, julgam ser a minha crença.

A crença no Espírito Santo não se deve aos neopentecostais. O credo apostólico, séculos III e IV, por exemplo diz: “Creio no Espírito Santo...”. O credo de Nicéia, ano 325, temos: “Cremos em um só Deus [...] E no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do pai e do Filho...” Por isso concordo com a afirmação de N. T. Wright que disse: “Sem o Espírito de Deus, a igreja deixa de ser igreja”. 

Nunca é demais afirmar que sendo batista creio no batismo com ou no Espírito Santo. É claro que não defendo a ideia desse batismo como algo que ocorra após a conversão. Entendo, sim, que ele acontece no ato da conversão, momento em que o Espírito faz morada na vida do convertido (1Co. 12.13; 2Co. 1.21,22; G. 3.1-3; Ef. 1.13,14).  

O texto de Atos 2 (tão usado por pentecostais e neopentecostais), tem a finalidade de descrever o cumprimento da Torá (Lei) e a renovação da aliança por meio da descida do Espírito na vida dos discípulos, e não a comprovação da ideia de uma segunda benção na vida dos cristãos atuais. Até hoje, o Pentecostes é celebrado pelos judeus como o momento da entrega da lei. Depois da celebração da Páscoa, os israelitas saíram livres do Egito, caminharam pelo deserto, e após cinquenta dias chegaram ao Monte Sinai, lugar da entrega da lei.

Tendo isso em mente, Atos 2 pode emergir como um fascinante texto acima da superfície de leituras equivocadas. Ao ressuscitar no domingo de Páscoa, Jesus tinha realizado um novo êxodo, o maior de todos os êxodos. Deu fim à escravidão, trouxe liberdade e abriu as portas de um novo mundo. Ficou com os discípulos durante quarenta dias, tendo ido em seguida para a dimensão de Deus, o céu. Dez dias depois, no Pentecostes, o Espírito Santo desce sobre os discípulos, assim como Moisés desceu do monte para entregar a lei. Nesse Pentecostes Deus renova sua aliança, gravando-a não em pedras, mas no coração de seus seguidores, o cumprimento de Jr. 31.31ss; Ez. 36.24-27. Com esse novo modelo de vida, marcado pela dinâmica do Espírito, eles seriam verdadeiramente o povo redefinido de Deus. Deus agiu decisivamente – Lucas teria dito – não no fim, mas no meio da história com esses eventos.

Creio que somos a morada do Espírito Santo, as pessoas onde o céu pode se encontrar com a terra (1Co. 3.16; 6.19; cf. Rm. 8.9-11). De maneira especial, somos guiados por essa presença misteriosa Rm. 8.13-17. Não se surpreenda com mais um paralelo com a história do Êxodo. O Espírito nos conduz da mesma forma que a Nuvem conduziu os israelitas pela peregrinação no deserto em direção à terra prometida. Por meio de Jesus e do Espírito, Deus pôs fim ao exílio iniciado quando Adão e Eva foram expulsos do paraíso, realidade que todos se encontravam. Paulo mesmo disse: “Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” (Rm. 3.23).

O Espírito, desta forma, é a garantia de nossa herança (Ef. 1.14). Na estrutura narrativa de toda sua reflexão, Paulo relembra mais uma vez, somente nesse versículo, a história do êxodo, paradigma do agir salvífico de Deus ao longo da história bíblica. A herança prometida a família de Abraão foi um pequeno pedaço de terra, lugar onde Deus habitaria com seu povo. Somos, diria Paulo, o povo multiétnico liderado pelo Espírito em um grande êxodo. Aquilo que aconteceu na morte e ressurreição de Jesus no período da Páscoa, o novo êxodo, continua de maneira surpreendente na vida daqueles que são morada do Espírito, em direção a herança prometida, a renovação e libertação de todo o mundo criado. Leia Rm. 8.12-25 e note como o Espírito nos conduz em direção à libertação de toda a ordem criada.

Por fim, o que tenho a dizer é que o Espírito de Deus torna possível vivermos no mundo presente à luz do novo mundo que ao surgir no domingo de Páscoa com a ressurreição de Jesus, tornou-se visível com o derramamento do Espírito no dia de Pentecostes.

Infelizmente a crente batista ao telefone descrita anteriormente, é um exemplo de uma triste constatação de muitas igrejas de minha denominação. Por desconhecer (tanto por desinteresse quanto por ineficiência do que é anunciado dos púlpitos), muitos descobrem doutrinas equivocadas em detrimento do real ensino da Bíblia. 

 Fim da chamada.

sábado, 2 de janeiro de 2016

ANO NOVO, VELHAS SUPERSTIÇÕES

Todos nós sabemos o quão supersticioso é o nosso Brasil. Herdamos tradições sobre o que não comer em determinado horário, assim como do perigo em juntar determinados alimentos numa combinação fatal. Com o início de um novo ano, essas superstições afloram numa espécie de erupção vulcânica de crendices, lançando cinzas ofuscantes em qualquer mente equilibrada.

Pular ondas, vestir branco, amarelo, vermelho (ainda não entendo porque não usar logo uma combinação de todas essas cores no réveillon), comer lentilhas, guardar uma nota de dinheiro dentro do sapato, pular só com o pé direito (para minha surpresa a razão disso está na Bíblia, pois o que está à direita é sempre bom). Os exemplos poderiam ser multiplicados em 472.000 resultados, que foi o número de páginas encontradas pelo Google.

Nos telejornais, muitas são as matérias que exaltam esse aspecto do povo brasileiro. Os repórteres demonstram ser bem-humorados e afetuosos quando cobrem essas matérias. Até mesmo pessoas são entrevistas como exemplos de comprovação da eficácia (algumas vezes é claro) de todo esse emaranhado de crenças.

O último dia do ano serve para mostrar que a imprensa sabe lidar muito bem com todo tipo de expressão religiosa, exceto com àquela que encontramos nas páginas da Bíblia, a tradição judaico-cristã. Não há problema em expor todas essas superstições, pois elas são o que são, superstições, em outras palavras, produto da mente humana (ou do não uso dessa mente). Se elas forem verdadeiras, não se espera com isso nenhuma mudança no mundo. Elas dependem da fé de alguns, e os demais que descreem em nada serão confrontados.

É aqui que reside todo tipo de resistência com a mensagem cristã. Não me refiro ao que se ouve atualmente pela televisão, mas ao que pode ser lido diretamente na Bíblia. O que nós encontramos? Você não terá, para tristeza de alguns, um novo tipo de superstição para um novo ano, mas sim uma grande história para toda uma vida.

Nos evangelhos vemos Deus, por meio de Jesus reivindicar o mundo como sendo inteiramente seu por direito. Jesus é a resposta de como seria se Deus governasse esse mundo. Como seria seu governo sábio e soberano? Seria um mundo de cura, justiça, relacionamentos verdadeiros, auxílio aos menos favorecidos.

Os evangelhos descrevem a história de como Deus, por meio de Jesus de Nazaré se tornou rei. Nos convocam a participar dessa história. O Reino de Deus, de acordo com essa narrativa, é o confronto com tiranias desumanizadoras, e não a vinda de um tirano (a vinda do Senhor é aclamada em Is. 40.1-5). Existem tiranias que nos desumanizam na área econômica, moral e espiritual: gasta-se uma fortuna em um único jantar, que é mais do que muitos ganham em todo um mês de trabalho. Pagar por algumas refeições chega a ser imoral diante de tanta miséria no mundo. As ideologias homo afetivas, de gênero e afins, nos levam para uma espécie de humanidade deteriorada que não reflete a imagem de Deus no mundo. O tipo de espiritualidade mercantilista que tornou a igreja em escândalo e não testemunho no mundo, nos assombram dia após dia. O Reino de Deus confronta todas essas tiranias (1Co. 6.9-11; 1Tm. 6.6-10).

Não confunda isso como se o reino de Deus fosse algo dentro de nós. Um reino que se faz presente no coração do homem, é algo inofensivo. Um Jesus que reina somente no coração do homem é um Jesus inofensivo. Se esta fosse a linguagem dos primeiros cristãos, o cristianismo não teria criado nenhum problema com o império romano (At. 17.5). Os imperadores não teriam visto nenhum problema com um Jesus que morre e ressuscita para morar no coração dos seus seguidores (embora ele se faça presente em nossos corações). Não. Jesus morreu e ressuscitou na história. Existiu verdadeiramente um túmulo vazio. Ele não se encontra vivo em nossos corações, mas morto no túmulo. Ele morreu para derrotar o mal e ressuscitou para reivindicar o mundo como sendo seu, chamando todos a uma prestação de contas, tanto governantes quanto governados. Ao ascender ao céu, o mundo não visto, tão real e natural como o nosso mundo visível, Jesus governa toda a sua criação. Ele é o verdadeiro Senhor do mundo. Estabeleceu seu governo global, o reino de Deus. Inaugurou o pedido do “venha o teu reino”, e completará seu programa já iniciado, mas ainda não concluído, em seu aparecimento glorioso.

As pessoas não conseguem lidar com o Jesus que morreu e ressuscitou para um novo tipo de vida corporal. Se essa mensagem for verdade, e ela é, todas as superstições, crendices e ideologias estão em sérios apuros, pois todos, um dia, serão chamados a uma prestação de contas.

Não é o ano novo de 2016 que deve ser saudado, mas sim Jesus, o Messias, rei em todo esse mundo que deve ser aclamado em 2016. Rapidamente 2016 será velho, assim como suas superstições. Jesus, por sua vez, é o mesmo ontem, hoje e sempre.