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quarta-feira, 23 de março de 2011

SILÊNCIO FEMININO NA IGREJA?


Como entender 1Corintios 11.2-16 com 14.33b-36 e sua evidente discrepância em se tratando da participação feminina na liturgia? Existiria alguma possibilidade, por menor que seja, de harmonização entre os dois relatos, sem ferir, contudo, o pensamento paulino?
A explicação mais simplista para o tema é afirmar que se trata de um ensino para a época. No entanto, qual ensino bíblico não foi transmitido com o intuito de orientar um grupo (comunidade) específico do I século? Esta resposta abre precedência para o pressuposto da teologia liberal. Segundo esta, os dogmas da Palavra, tais como encarnação, nascimento virginal, milagres e afins, também deveriam ser abandonados pelo homem moderno, pois serviriam simplesmente para a comunidade cristã primitiva. Com isto, qual seria o princípio limitador para a permanência ou não de um ensino na Bíblia?
Uma proposta de interpretação equilibrada pode ser obtida fazendo-se uso do método da atualização da mensagem cristã, presente na teologia sistemática de Millard Erickson. Na atualização da mensagem cristã, não basta somente asseverar que o texto se referia à época da redação do escrito, mas diferenciar o conteúdo permanente no ensino bíblico de sua expressão temporária. O conteúdo permanente é atemporal, não sendo invalidado por época ou cultura. Já sua expressão temporária, seria a forma de expor o assunto em categorias condicionadas à época da redação do escrito. Neste caso, poderíamos perguntar: qual o conteúdo permanente de 1Co 11 e 14? Seria a mulher falar usando o véu, ou nem mesmo falar com o véu? Será que estamos focando demais nossa atenção na expressão temporária, falar com o véu, não falar no culto, não observando assim, o conteúdo permanente subjacente aos textos?
O estudioso Helmut Koester, em introdução ao novo testamento v. II, e outros, entende os versículos 33b-36 de 1Co 14 como uma interpolação. Interpolação é o termo para se referir a todo conteúdo ou material inserido no texto bíblico, não pertencendo ao autor sacro. Esta proposta evita a possível incoerência no texto paulino, onde no capítulo 11.2-16 ele permite a participação da mulher. Assim, o pensamento do apóstolo continuaria coeso, pois 1Co 14.33b-36 não seria de sua autoria, mas de algum escriba posterior.
Outra possibilidade é entender os versículos 33b-35 como citação feita pelo apóstolo. Ele estaria, na verdade, fazendo referência ao entendimento que os coríntios tinham do culto público. No versículo 36 Paulo criticaria esta atitude ao perguntar se a Palavra de Deus teria surgido somente entre eles? Neste caso, os homens de Corinto.
Na verdade, não estaria Paulo discutindo em 1Co 11.2-16 somente a questão do uso do véu  para as mulheres que estavam profetizando sem contudo emitir sua real opinião sobre a possibilidade ou não da mulher falar na igreja? Se assim for, em 1Co 14.33b-36 ele declara sua postura sobre a mulher no culto, completo silêncio. Desta forma, o apóstolo manteria coerência em dois assuntos: a mulher deve usar o véu e nunca falar na igreja.
Neste caso, qual o valor destes dois textos para a cristandade do século XXI? Eles nos ensinam a importância de mantermos o equilíbrio entre igreja e convenções sociais, desde que estas não firam os princípios éticos e morais da revelação bíblica. Paulo apela para uma norma socialmente estabelecida quando pede que os coríntios “julguem entre vocês mesmos: é apropriado a uma mulher orar a Deus com a cabeça descoberta? A própria natureza das coisas não lhes ensina [...] que o cabelo comprido é uma glória para a mulher?” 1Co. 11.13-14. Observe que para o apóstolo o consenso comunitário serve como corolário de toda sua argumentação teológica.  
No caso de 1Co. 14.33b-36 as observações do erudito alemão, Werner de Boor, são bastante esclarecedoras: “O ponto de vista do apóstolo, quando escreveu o presente trecho em sua carta, é simplesmente o seguinte: a igreja de Jesus não pode nem deve conceder à mulher uma posição que ela já não possua na vida pública e que contradiga o sentimento ético da época. Então, porém, isso significa para nós hoje: a igreja de Jesus não pode nem deve negar à mulher uma posição que ela já possui na vida pública e que corresponde a todo o sentimento óbvio da época! Assim como naquele tempo a mulher que falasse em público representaria uma estranha extrapolação, assim seria hoje com a mulher condenada ao silêncio.”
Desta forma, é compreensível que Paulo fale que em sua época “é vergonhoso uma mulher falar na igreja”. Se vivesse nos dias atuais, poderia afirmar: “é vergonhoso uma mulher não falar na igreja.”