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quarta-feira, 17 de julho de 2013

SÁBADO OU DOMINGO? PARTE II

Outro argumento usado pelos adventistas para consubstanciar a ideia da permanência da guarda do sábado é o texto de Mt. 24.20. Nesta passagem Jesus exorta os discípulos que orem para que os acontecimentos narrados nos versículos anteriores – referentes a destruição de Jerusalém – não ocorressem no dia de sábado. Como o livro de Mateus foi escrito em meados do ano 85 d.C., esta palavra confirmaria que o sábado ainda seria observado pelos discípulos. Na verdade, Jesus está simplesmente usando conceitos da piedade judaica para descrever a seriedade dos fatos. O texto prova somente que em alguns círculos da comunidade primitiva observava-se alguns preceitos da lei mosaica, - a igreja de Jerusalém é um exemplo (At. 15) – Mateus teria escrito seu evangelho para estes leitores. Em relação ao argumento adventista, devemos observar que o próprio texto diz que o Templo seria violado (Mt. 24.15), mas nem por isso se entende que os discípulos estariam oferecendo sacrifícios no Templo. A palavra de Cristo foi um alerta tanto para os cristãos quanto para os demais judeus. Se o raciocínio adventista estivesse certo, o que falar então de Mt. 17.24s? Mateus estaria dizendo com esta passagem que os discípulos ainda deveriam pagar o imposto do Templo? Isto seria impossível, pois o Templo havia sido destruído no ano 70 d.C., e como já falamos, o evangelho de Mateus foi escrito aproximadamente 15 anos despois de sua destruição. Assim, Mt. 24.20 não anula os demais texto do NT que deixam bem claro não ser mais necessário a observância do sábado (cf. Rm. 14.5,6; Gl. 4.10,11; Cl. 2.16).

O texto de Is. 66.22,23 é usado como texto comprobatório para se afirmar que o sábado será observado por toda a eternidade. Se é verdade que haverá uma eternidade de sábados semanais como dia de culto, deverá permanecer também as festas da lua nova que o texto fala. Isto contudo cria um problema com Ap. 21.23, onde diz que não haverá necessidade da luz do sol ou da lua na nova Jerusalém. Seria estranho uma festa da lua nova sem noite de lua ou mesmo um início de sábado sem o pôr do sol, pois como lemos em Ap. 21.25 não haverá noite. 

Esta passagem em questão deve ser compreendida com o início do livro de Isaias. Em Is. 1.13,14 o culto tinha se corrompido em uma liturgia destituída de qualquer sentimento pela santidade de Deus. Agora no texto de Is. 66.23,23, o profeta diz que isto seria restaurado – não o sábado ou as festas de lua nova em si – mas o que eles representam, o culto constante a Deus.

Os textos de At. 20.7; 1Co. 16.2 descrevem a prática inicial do uso do domingo como dia de culto. Em At. 20.7 o domingo foi reservado para a celebração da ceia do Senhor e pregação. Dizer que em 1Co. 16.2 não se trata de uma reunião religiosa, mas sim uma coleta para ser feita em casa, constitui uma visão grotesca dos escritos paulinos. A coleta fazia parte do culto (cf. 2Co. 8,9). Não somente em Corinto Paulo pediu para se fazer esta coleta aos domingos, mas também na Galácia (1Co. 16.1). A passagem como um todo deixa bem claro que a coleta não deveria ser feita somente em um domingo isolado, mas todos os domingos (1Co. 16.1-4).

Em Ap. 1.10 nós temos a expressão em grego kuriakos (do Senhor) que significa pertencente ao Senhor. Para eles isto diz respeito ao dia de sábado. Os cristãos primitivos, no entanto, fizeram uso dessa expressão aplicando ao domingo, que se entende como pertencendo ao Senhor Jesus. Tanto o Didache e Inácio, escritos pouco tempo depois do Apocalipse afirmam ser o domingo o dia de culto da igreja. Há indícios desta prática tanto em Clemente de Alexandria quanto em Tertuliano. Tanto o comentarista alemão Adolf Pohl, William Barclay, o comentário Moody, o Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, o Dicionário Bíblico Universal e a Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia de Champlin entendem que Ap. 1.10 é uma referência ao domingo. Isto se deve ao fato de tanto a ressurreição quanto as aparições de Cristo terem ocorrido no domingo. O próprio Pentecostes ocorreu no domingo, dia de reunião dos discípulos (At. 2.1).

Uma última palavra. Ao nos reunirmos no domingo, nós guardamos o princípio do quarto mandamento que é a separação de um dia em sete para o culto a Deus. É bem verdade que não há nenhum versículo no NT que ensine que o domingo teria substituído o dia de sábado. Verdade também que não existe um texto sequer no NT que ensine ser o sábado obrigatório para a igreja.

terça-feira, 16 de julho de 2013

SÁBADO OU DOMINGO? PARTE I

Muitos cristão já foram questionados sobre a aparente improcedência de se reunirem no dia de domingo e não no sábado. Outros tantos já receberam em seus lares literatura sabatista com o objetivo de aprenderem a “verdade” sobre o sábado. Em consequência disto, escrevo este artigo respondendo algumas das afirmações adventistas contra o chamado erro dominical. 

Os adventistas dizem que o sábado é o selo de Deus para seu povo. Isto pode estar certo em relação ao AT. Veja Ex. 31.12,17; Ez. 20.12,20. Contudo, no NT o selo de Deus para seu povo é o Espírito Santo e não o sábado. Confere Ef. 1.13; 4.30; veja também 2Co. 1.20-22.

Eles enfatizam muito o fato de Jesus e os apóstolos terem observado o dia de sábado. Estão correto com base em Lc. 4.16; At. 17.2; 18.4. No entanto, precisamos diferenciar na Bíblia texto descritível e prescritível. O primeiro diz somente o que uma pessoa fazia, sem necessariamente recomendar a conduta como normativa para os demais leitores. Por exemplo: Jesus subia ao monte para orar, mas em nenhum lugar na Bíblia ensina que o crente deve orar no monte. Quando do seu ensino sobre a oração, ele diz que devemos entrar em nosso quarto. Uma coisa é a descrição de uma conduta, outra bem diferente é sua prescrição.

Do mesmo modo os apóstolos. Estes não falam nada sobre o dia obrigatório de culto no NT. Os escritos do NT nada falam sobre o dia correto de reunião – em nenhum lugar do NT se diz que este dia é o sábado – não obstante, recomendam que os crentes não deixem de se reunir (Hb. 10.25). Para os apóstolos a reunião era mais importante do que o dia em que ela ocorria. Paulo em Romanos 14.1ss deixa bem claro que todos os dias são iguais, e que nenhum é mais importante que o outro. Os textos de Mt. 28.1; Lc. 23.56 usados por eles servem somente para descrever uma prática judaica dos discípulos, e mais nada.

Outra coisa. Os adventistas afirmam que o dia de domingo passou a ser observado pela igreja por causa do decreto de Constantino. Foi ele quem teria mudado o dia de sábado para o domingo. Isto não passa de ingenuidade histórica. Se esquecem que Constantino somente legalizou uma prática, mas não a instituiu. Justino, o mártir, morto no ano 148 (muito antes de Constantino) disse: “No dia chamado ‘domingo’, todos os que moram em cidades ou no campo reúnem-se num lugar, e leem-se as memórias dos apóstolos (os evangelhos) e os escritos dos profetas”. As palavras de Justino deixam subentendido uma prática comum da igreja em se reunir aos domingos. Note também, que Justino não recomenda uma conduta, a guarda do domingo, antes, faz a constatação de um fato, que a igreja se reunia aos domingos.

Podemos fazer a seguinte pergunta aos adventistas: se sempre foi costume os crentes se reunirem no sábado, como eles poderiam aceitar sem nenhuma dificuldade que agora, depois de dois séculos, um imperador mude o dia de culto da cristandade? Se isto fosse verdade, é óbvio que haveria alguma oposição da igreja no início. O fato de o domingo, originalmente, ter sido um dia de adoração pagã ao sol em nada invalida o culto cristão neste dia. Os pagãos não adoravam o domingo, mas o sol neste dia. Os crentes por sua vez, não adoram o sol, mas a Cristo no domingo. Malaquias não viu nenhum problema fazer uso da linguagem egípcia do sol como símbolo da proteção dada pelo próprio Deus no último dia (cf. Ml. 4.2).

terça-feira, 2 de julho de 2013

REVOLUÇÕES NO BRASIL E A HISTÓRIA BÍBLICA


É do conhecimento de todos que nos últimos dias o Brasil vive uma onda de manifestações populares. Podemos dizer que estes manifestos ainda se encontram na crista da onda, e que não sabemos qual será o efeito real do seu impacto na história do país.

Estas reivindicações populares demonstram na prática o princípio que todo o poder emana do povo, como reza o Art. 1, §1 da Constituição federal de 1988. Devemos frisar, todavia, que não apoiamos, muito menos queremos confundir depredação do patrimônio público com reivindicação popular, ambas são diametralmente opostas – ainda que estejam presentes em muitas manifestações, tanto pelo clima tenso da situação ou mesmo por determinação de algumas pessoas infiltradas nos manifestos.

Tendo isso por assentado, nosso objetivo neste presente artigo é visualizar em duas situações registradas na Bíblia o resultado da indignação popular em decorrência de uma má gestão pública, ou condições sociais insustentáveis. Nossa análise vai se basear nos textos de Neemias 5 e 1 Reis 12.

Neemias 5.1-5 trata de um tema bastante atual: reivindicação dos direitos do cidadão. Como cidadãos possuímos direito à vida, trabalho, educação, saúde etc. Muito tempo antes da Revolução Francesa com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 cujo lema era liberdade, igualdade e fraternidade, os judeus aqui querem reivindicar seus direitos civis.

A greve em Jerusalém, durante a reconstrução do muro da cidade, foi provocada por três motivos: 1. pouca comida para uma família grande (v.2). Isto é uma realidade bastante atual. A maior parte dos brasileiros não consegue dar uma alimentação digna aos seus filhos.

João no livro do Apocalipse, descreveu, muito tempo depois, a mesma situação que parece se atualizar insistentemente em algumas partes do mundo, neste caso, o aumento do preço dos produtos alimentícios (Ap. 6.6). O cavalo com a balança na mão é na verdade símbolo de escassez. Pão pesado em balança significa carência (cf. Ez. 4.10-17). Um quilo de trigo por um denário – o denário era o salário de um dia de trabalho – constitui na época o aumento de oito a doze vezes o preço do produto. Sem falar que isto é uma porção capaz de satisfazer somente as necessidades diárias de um trabalhador braçal. Se ele desejasse alimentar sua família teria de comprar cevada, três vezes mais barato que o trigo, no entanto, um grão inferior. Em algumas regiões da Palestina a cevada servia de alimento para animais. O texto de Ap. 6.6 termina dizendo que o vinho e o azeite não seriam danificados. Em outras palavras, os artigos de luxo dos ricos permaneceriam inalterados. Eles continuariam com suas regalias enquanto que a maioria da população estaria lutando para sobreviver. João não poderia ter escrito um texto socioeconômico mais atual que este.

2. Algumas famílias tiveram que dar a terra como garantia para a aquisição de comida (v.3). A terra em Israel era um meio de sobrevivência. Havia, essencialmente, uma agricultura de subsistência. Com isto, a renda familiar vinha da terra. A propriedade não poderia ser definitivamente vendida. Se o fosse, deveria ser devolvida depois de cinquenta anos (Lv. 25.8-28), pois o princípio era que a terra pertencia ao SENHOR (Lv. 25.23,24). É com base nisto que o texto de 1Reis 21.1-4 deve ser entendido. Nabote, na passagem em questão, quer ser fiel ao seu princípio religioso, que era a preservação da terra em seu próprio clã. Acabe, o rei da época, a representação do Estado, não tinha direito de tomar a terra que pertencia a Nabote. A implicação disto, é que o homem não existe para o Estado, não obstante este deva existir para o cidadão.

3. Outras famílias viviam o problema das taxas de juros dos seus empréstimos para pagamento de tributos (v.4). A taxa do imposto prejudicava muito a renda familiar. Quando não se conseguia pagar os empréstimos, o credor tinha o direito de tomar os filhos do devedor como pagamento (ver 2Reis 4.1). Isto havia ocorrido com muitas famílias na época de Neemias (Ne. 5.5). O pior era que as filhas dos israelitas estavam sendo vendidas como escravas para seus próprios compatriotas, violando assim a recomendação expressa de Moisés (Lv. 25.39-43). A prática de se receber os filhos como pagamento de empréstimos ainda perdurava na época de Cristo, o que pode ser visto na parábola do servo impiedoso em Mt. 18.24,25.

Vamos postar, se Deus permitir, o texto de 1Reis 12 para conclusão de nosso assunto. Até lá.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

CALVINO E AS REVELAÇÕES FORA DA BÍBLIA

Ao descrever o profetismo no Antigo Testamento, Calvino deixa bem claro que a palavra do profeta só seria genuína se esta fosse precedida pela Palavra de Deus. A Palavra do SENHOR deve, necessariamente, anteceder a declaração do profeta. Como exemplo usado pelo reformador no Livro 4, Cap. VIII, Seç. 3, o profeta Ezequiel (Ez. 3.17) deveria antes ouvir da boca do SENHOR o que ele deveria transmitir, não permitindo assim, ao profeta, nenhuma possibilidade de transmitir algo que não fosse antes dado pelo SENHOR.

O mesmo se dá com os apóstolos. Assim como os profetas, não deveriam ensinar nada de seu próprio arbítrio, mas o que antes tinha sido transmitido pelo Senhor Jesus. Como fundamento Calvino usa o texto de Mt. 28.19,20 (livro 4, cap. viii, seç.4).

Quando da necessidade do registro escrito daquilo que se havia falado da parte do SENHOR, a Escritura agora é a norma de todo ensino. Assim como a Palavra de Deus antecedia a palavra do profeta, a Escritura deve preceder toda e qualquer declaração doutrinária. Cabe ao sacerdote, como é citado por Calvino (livro 4, cap. vii, seç. 6) não ensinar nada que seja estanho àquilo que existe na Lei. Como fundamentação ele cita Ml. 2.7. Até mesmo os profetas, salienta Calvino, não trouxeram novidade no que diz respeito ao conteúdo da Lei, antes foram seus interpretes.

Com a encarnação do Filho de Deus, consumou-se toda a revelação dada pelo Senhor. Calvino entende que Hb. 1.1,2 (livro 4, cap. viii, seç. 7) nos ensina que Deus não falará mais pelos lábios de um ou de outro, antes, em Jesus conclui-se todo o ensino da parte de Deus. Com Cristo dá-se início a última hora (1Jo.2.18), últimos tempos (1Tm. 4.1) e últimos dias (At. 2.17; 2Tm. 3.1; 2Pe. 3.3) o que se deve inferir, segundo Calvino, que não se pode admitir nenhuma novidade doutrinária. Não “é função do Espírito” transmitir novas revelações ou um “novo gênero de doutrina”, mas selar na mente do salvo a doutrina existente no evangelho (livro 1, cap. ix, seç. 1). 

Para Calvino, não há mais revelação normativa, somente a Bíblia possui autoridade neste quesito. Ele usa como exemplo 1Co. 14.29,30 para afirmar que a palavra do profeta deve ser julgada pelo crivo da Palavra escrita de Deus (livro 4, cap. viii, seç. 9). Entende-se o profeta aqui como aquele que expõe a vontade de Deus para a igreja com base nas Escrituras e não alguém que comunica novas verdades. Assim se expressa Calvino em seu comentário de 1Coríntios, 2ª ed. p. 392.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

A CEIA "NOSSA" DE CADA MÊS

É impressionante como alguns de nossos sentimentos religiosos ainda são influenciados por uma mentalidade católica. Uso como exemplo a ceia do Senhor. Ninguém em sã consciência pode negar sua importância na celebração durante o culto. Não obstante, não podemos cometer o erro da deificação da cerimônia em si, tornando-a um ídolo. Não é a cerimônia que deve ser reverenciada, mas sim Deus por meio desta celebração.

Precisamos mudar nossa práxis pastoral no que diz respeito às pessoas que não podem participar da ceia por questão de saúde ou coisas afins. Temos o costume de dizer: levaremos a ceia para fulano de tal. No entanto, a ceia não se leva, pois ela é, exclusivamente, celebração em conjunto – em outras palavras, igreja reunida. O mais viável é que alguns irmãos celebrem a ceia do Senhor com aquele que não tem condições de se encontrar com os demais irmãos reunidos na igreja local. Ninguém, após a participação em um aniversário diz: vou levar este aniversário para fulano. Ou diz? Pode-se até levar parte do bolo, mas aquele bolo não é o aniversário em si mesmo. Assim, mesmo que se leve os elementos, pão e suco de uva, estes não constituem a ceia propriamente dita. A ceia no contexto do Novo Testamento sempre foi celebração comunitária (1Co. 11.18ss).

Outro indicativo de natureza supersticiosa em muitos crentes, no que diz respeito ao entendimento da ceia, é a não participação em alguns momentos. Muitos ficam sem participar da ceia em várias ocasiões porque teve alguma desavença com um irmão ou porque cometeu algum outro pecado. O mesmo não acontece em outros cultos onde não se celebra a ceia. Mais uma vez volto a falar: não existe o culto da ceia, mas sim a ceia no culto. Ela é parte de um todo maior, a adoração a Deus.

Com isto, quero dizer que aquele que não se encontra em condições de participar da ceia, não se acha em condições também de participar de qualquer culto (Mt. 5.23,24; cf. Is. 1.11ss). A presença de Cristo no instante da ceia – não nos elementos – é a mesma dos demais momentos de adoração. Ele não se encontra mais presente em um que no outro (Mt. 18.20). A ceia não é um culto à parte, antes, faz parte do culto. Logo, a necessidade de se cumprir os pré-requisitos para a sua participação, entender que a igreja, o corpo de Cristo, só pode existir como uma unidade integral, e não fragmentada, pois este é o significado do “discernir o corpo do Senhor” em 1Co. 11.29 é a mesma para os demais cultos (Mt. 5.23,24). A ceia não produz a unidade da igreja, muito menos a união com Cristo, pelo contrário, ela revela.

Que possamos, por meio desta breve reflexão mudar muitos de nossos comportamentos, que insistimos em denomina-los de “evangélicos".

segunda-feira, 6 de maio de 2013

DISCIPLINA NA IGREJA, PARTE III

PROCEDIMENTOS BÍBLICOS PARA O CORRETO EXERCÍCIO DA DISCIPLINA ECLESIÁSTICA

Segundo o teólogo batista A.H.Strong, a Bíblia possui duas recomendações para o exercício da disciplina. Uma para as ofensas particulares e outra para os pecados públicos (STRONG, v.2, p. 689).

OFENSA PARTICULAR

A disciplina do erro particular, que ainda não é do conhecimento de todos deve seguir as recomendações de Mt. 5.23,24; Mt. 18.15-17.

Em Mt. 5.23,24 pode-se confirmar que a reconciliação com o irmão faltoso é o alvo da disciplina bíblica. O excelente livro do teólogo gaulês, Charles H. Dodd, As Parábolas do Reino, diz acertadamente sobre este texto que “a reconciliação com um “irmão” deve preceder inclusive o culto divino” (DODD, p. 117).

Com este exemplo, Jesus nos orienta que diante de um problema entre um irmão e outro, o importante não é saber quem é o ofensor, mas que um dos dois busque a iniciativa da reconciliação. Observe que o texto diz que “se você se lembrar que seu irmão tem algo contra você”, não especifica se aquele que lembrou o fato é inocente ou culpado.

Já em Mt. 18.15-17 temos uma recomendação mais elaborada. Este ensino de Jesus é um indicativo de que Ele já esperava que sua futura comunidade soubesse resolver, sem sua presença física, mas não ausência completa (cf. Mt. 18.20), seus problemas internos. Este dito de Jesus foi pronunciado no início dos anos 30 do séc. I e registrado por Mateus em meados de 80-85 da era cristã. A igreja possuía pouco mais de cinquenta anos de existência.

Alguns podem entender o “contra te” de Mt. 18.15a como uma recomendação que se aplicaria somente quando o erro fosse cometido com outra pessoa da igreja. No entanto, o “contra te” acha-se ausente nos dois dos mais importantes manuscritos do Novo Testamento, o Sinaíticus e o Vaticanus, ambos datados do séc. IV.

Desta forma, a recomendação de Jesus, é que o encontro com o irmão que cometeu o pecado seja de inteira responsabilidade daquele que primeiro tornou-se conhecedor do fato. Esta visita a sós é para que a pessoa seja advertida pelo erro praticado. Se a conversa for positiva, “você ganhou seu irmão” (v. 15b; cf. Tg. 5.19,20). Deve-se buscar esta restauração à luz de Gl. 6.1.

O objetivo desta primeira conversa, como já salientou Grudem, é para que o conhecimento do fato seja “preservado dentro do menor grupo possível” (GRUDEM, p. 753).

Se infelizmente, este primeiro encontro não foi satisfatório, deve-se agora buscar mais um ou dois irmãos para uma segunda conversa (v. 16). O primeiro contato com o irmão deve ser algo informal. Mas o fato de Jesus recomendar mais uma ou duas pessoas “para que qualquer acusação seja confirmada pelo depoimento de duas ou três testemunhas”, citando assim Dt. 19.15, faz com que esse segundo momento da disciplina seja algo bem formal. Isto é para que o irmão em pecado entenda que a situação envolve seriedade. É recomendado, com isto, que neste momento estejam presentes pessoas que estão à frente da liderança da igreja.

Por fim, se a pessoa persistir no erro, a igreja reunida deve ser consultada (v. 17a). Ainda não é momento para exclusão. O objetivo é que o conselho de toda a igreja produza alguma mudança no irmão, levando-o ao arrependimento. Se mesmo assim “ele se recusar a ouvir também a igreja” (v. 17b) só resta considerá-lo “pagão ou publicano” – em outras palavras, ele será excluído do número dos participantes da igreja. Confira a orientação do apóstolo Paulo sobre a pessoa que insiste em permanecer no erro (Tt. 3.10,11)

OFENSA PÚBLICA

A disciplina que envolve pecados que já se tornaram do conhecimento de todos, deve seguir os princípios de 1Co. 5 e 2Ts. 3.6.

Fica evidente no texto de 1Co. 5 que era do conhecimento de todos que havia alguém que mantinha um caso com a madrasta na igreja de Corinto. Paulo diz que por “toda parte se ouve que há imoralidade entre vocês [...] ao ponto de um de vocês possuir a mulher de seu pai” (1Co. 5.1).

Neste caso, não se deve praticar a orientação de Mt. 18.15-17, pois a pessoa já demonstra por sua persistência no erro, que não vive mais segundo os padrões morais das Escrituras. Por que conversar particularmente sobre o erro de alguém que já é do conhecimento de todos? Assim, Paulo faz uma pergunta retórica – que não exige resposta: “Não deviam, porém, estar cheios de tristeza e expulsar da comunhão aquele que fez isso?” (v.2). Strong observa “que Paulo não dá ao incestuoso oportunidade para arrepender-se, confessar, ou reverter a sentença” (STRONG, p. 689). Permitir que alguém neste estado ainda fosse parte da igreja, seria contaminar toda a comunidade de Cristo (v.6; cf. Hb. 12.15,16).

Nos vs. 3-5,13 Paulo pede que assim como ele havia tomado sua decisão sobre o assunto (v. 3), a igreja deveria reunir-se para a exclusão daquele que cometeu tão horrendo pecado (vs. 4,5,13). Desta forma, aprendemos que para as ofensas públicas, a pessoa deve demonstrar verdadeiro arrependimento depois de sua exclusão.

Quando há necessidade do afastamento de uma pessoa, seja seguindo os passos de Mt. 18.15-17 ou a recomendação paulina para um pecado público, a igreja deve demonstrar seu amor pelo antigo integrante. É assim que Paulo orienta a igreja de Tessalônica. Aquele que desobedecesse à recomendação da carta paulina deveria ser disciplinado, mas não considerado inimigo, antes, “chamem a atenção dele como irmão” (2Ts. 3.14,15).

Em 2Co. 2.5-11 Paulo aborda o assunto do afastamento de uma pessoa na igreja de Corinto. Fica implícito pela passagem que a pessoa em questão tenha se arrependido do seu pecado, e por isso a igreja deveria “perdoa-lhe e consolá-lo, para que ele não seja dominado por excessiva tristeza” (v.7). Esse perdão seria demonstrado na sua reintegração amorosa no círculo da igreja (v. 8). É digno de nota, que a conduta de indiferença com o pecado em 1Co. 5, tenha mudado agora na igreja de Corinto. Eles passaram a compreender a necessidade da disciplina, obedecendo assim ao apóstolo (v.10).

CONCLUSÃO

Vivemos hoje em um ambiente repleto de pessoas indisciplinadas. Muitas delas querem que a igreja seja mais um ambiente caracterizado por essa indisciplina. Qual seria a postura correta da igreja de Cristo neste momento? Ela deve ensinar para seus membros que a disciplina é necessária como uma forma de demonstração do amor de Jesus por sua igreja (Ap. 3.19).

Não basta somente saber que a disciplina é um fator indispensável na vida da igreja, faz-se necessário o seu exercício no dia-a-dia da comunidade. Logo após expor as razões do valor da disciplina, o autor aos Hebreus pede aos seus leitores que ela seja posta em prática (Hb. 12.12,13).

DISCIPLINA NA IGREJA, PARTE II


AS DISCIPLINAS EM UMA IGREJA BATISTA

Nós batistas costumamos distinguir a disciplina na igreja de três formas: disciplina formativa, corretiva e cirúrgica.

DISCIPLINA FORMATIVA

Toda instrução que a igreja recebe, seja por meio de pregação ou estudo bíblico pode ser denominada de disciplina formativa. Seu alvo é formar constantemente o caráter de Cristo na vida do discípulo. Como nunca alcançaremos o perfeito caráter de Cristo nesta era, a disciplina formativa perdurará até a vinda de Jesus. Todo ensino (disciplina formativa) de Paulo aos gálatas era a demonstração do seu desejo de ver “Cristo formado em vocês” (Gl. 4.19).

A igreja de Éfeso em Ef. 5.3-7 recebe uma instrução paulina que se enquadra muito bem no nosso conceito de disciplina formativa. Nos vs. 3,4 Paulo diz “o que não deve haver” no meio da comunidade cristã. E se alguém perguntasse o motivo dessa exigência, ele afirmaria “que essas coisas não são próprias para os santos”. O objetivo do conselho, é que os integrantes da igreja de Éfeso não ficassem fora do Reino de Deus (vs.5,6). Por fim, no v. 7, Paulo expressa o desejo que seu ensino seja absorvido na prática diária dos crentes efésios.

A disciplina formativa é, neste sentido, preventiva. Ela alerta o crente sobre o perigo de uma conduta irrefletida da vida cristã (cf. Ef. 5.15-18).

DISCIPLINA CORRETIVA

A Bíblia deixa bem claro que o crente não está isento de possíveis falhas em sua vida cristã. Nem mesmo a simples participação na igreja impede que os crentes não estejam expostos aos perigos das tentações na vida (1Co. 10.1-12).

Quando na igreja alguém erra, é da responsabilidade dos irmãos conhecedores do fato, a aplicação da disciplina corretiva. O objetivo nunca é afastar a pessoa da igreja. A intenção deve sempre ser a restauração do culpado. O teólogo Wayne Grudem diz que “o propósito principal da disciplina eclesiástica é alcançar o duplo alvo da restauração (levar o pecador ao comportamento correto) e de reconciliação (entre cristãos e com Deus)”. (GRUDEM, p. 750).

Em Gl. 2. 11-14 temos um claro exemplo de disciplina corretiva. Em Gl. 2.1-10 Paulo deixa bem claro que com o evangelho de Cristo as exigências judaicas não eram necessárias aos gentios. Pedro tinha assimilado isto, pois o texto diz que “ele comia com os gentios” (v. 12). Era um costume em Antioquia, judeus-cristãos partilharem uma refeição comum com os gentios convertidos. Mas com a chegada de um grupo liderado por Tiago, que era rigoroso no que diz respeito às regras alimentares estabelecidas por Moisés (cf. Lv. 11), Pedro afastou-se e separou-se dos gentios (v. 12). Outros judeus tiveram a mesma conduta (v. 13). Diante disto, Paulo repreendeu Pedro e os outros judeus, pois “não estavam andando de acordo com a verdade do evangelho” (v. 14a). O fato de Paulo falar diretamente para Pedro, é que este desde cedo tinha assumido uma postura de liderança na igreja (Mt. 16.15,16; At. 2. 14). Nos vs. 16-21 Paulo expõe a razão teológica para a repreensão feita com o apóstolo Pedro.

DISCIPLINA CIRÚRGICA

Esta disciplina é o último passo na tentativa de restaurar a pessoa que cometeu determinado pecado. Ela é denominada de cirúrgica porque sua ação se dá no afastamento do integrante da igreja. A disciplina cirúrgica – a exclusão - não quer dizer que a igreja não conseguiu restaurar a vida de um dos seus membros, antes, é uma tentativa de levar o faltoso ao verdadeiro arrependimento. “Assim como, às vezes, é preciso tirar fora parte do corpo físico para que o corpo todo não pereça, da mesma forma também acontece na igreja” (ZACARIAS SEVERA, p. 389).

Em 1Tm. 1.20, Paulo informa que Himeneu e Alexandre foram excluídos da igreja – “entreguei a Satanás” no linguajar paulino – com o intuito de que “aprendam a não blasfemar”. A exclusão deve servir como um tratamento de choque para o crente que demonstra resistência em se arrepender. Mais uma vez queremos enfatizar que seu objetivo é a restauração do impenitente.

A disciplina cirúrgica serve também para ensinar a igreja que não se pode confundir amor com tolerância ao pecado. As igrejas de Pérgamo (Ap. 2.14,15) e Tiatira (Ap. 2.20) estavam tolerando o erro ao permitirem que pessoas que já haviam dado prova de uma vida incompatível com o evangelho, fossem ainda membros de suas comunidades. Jesus advertiu essas igrejas, que devido ao não exercício da disciplina, Ele mesmo faria com que o erro fosse punido (Ap. 2.16; 21-24).

A disciplina cirúrgica protege a pureza da igreja e não permite que o nome de Jesus seja difamado pelas pessoas de fora. A igreja não pode permitir que o nome do Senhor seja desonrado com o erro de alguns de seus membros, da mesma forma que o nome de Deus era “blasfemado” por causa do comportamento de alguns judeus na época de Paulo (cf. Rm. 2.17-24)