O
texto de Mc. 12.13-17 aborda um tema de grande incômodo para um judeu do I
séc.: o imposto romano. A temática adquire toda sua grandeza quando
escrutinamos as revoltas anti-Roma surgidas na palestina em meados do I séc.
Como
exemplo podemos citar a denominada segunda onda de resistência que eclodiu em 6
d.C., desta vez liderada por Judas Galileu. Sua oposição à política
imperialista romana baseava-se em duas teses: reconhecer exclusivamente o reino
de Deus e a nenhum outro governante. Partindo do seu sinergismo, declarava que
o ser humano deveria colaborar na implantação do reino de Deus. Para tanto,
exigia a recusa do pagamento de impostos a Roma. Sua ideologia surge novamente
em 44 d.C. segundo as informações de Atos 5.36-37.
No
que diz respeito à intenção da narrativa Marcana, Werner Georg Kümmel, em
Síntese Teológica do Novo testamento nos diz o seguinte: “o motivo evidente
pelo qual se relatou a manifestação de Jesus sobre o dever de pagar o imposto
individual a César foi para se responder com ela à pergunta atual (no que diz
respeito à comunidade primitiva) se o imposto devia ou não ser pago.” (KÜMMEL,
2003, p. 152).
A
resposta de Jesus em Mc. 12.13-17 nos leva a admitir o seguinte: ele não foi
contra o pagamento de imposto a César. Sobre o número de expositores favoráveis
a esta interpretação, o teólogo Uwe Wegner diz que “poderiam ser multiplicados
à revelia”.
Como
interpretação pró-romana da resposta de Jesus, citamos o teólogo J. D. G. Dunn:
“... A resposta de Jesus torna claro que, no ponto de vista Dele, era falsa a
antítese: não há necessariamente conflito algum entre a autoridade política e a
divina. O pagamento do imposto é uma obrigação legítima dentro do complexo de
relacionamentos humanos. [...] colocar César e Deus como autoridades mutuamente
exclusivas é inventar uma antítese entre todos os relacionamentos humanos e a
autoridade divina, porque todos os relacionamentos divinos incluem obrigações e
responsabilidades de algum tipo”.
Posição
semelhante tem Joachim Jeremias em sua teologia do Novo Testamento. Este afirma
o seguinte: “Por exemplo, se atribuirmos a Jesus ter incitado o povo a não
pagar os impostos, devemos ter Mc. 12.13-17 par. como inautêntico, visto que aí
Jesus rechaça esse tipo de incitação, e explicar o surgimento desta perícope,
por exemplo, como resultado do desejo de demonstrar que o cristianismo é
politicamente inofensivo.” (JEREMIAS, p. 333). Joachim Jeremias se baseia na
ausência de qualquer nacionalismo existente na pregação do Reino de Deus feita
por Jesus como prova de sua assertiva.
Leonhard
Goppelt, em teologia do Novo testamento, amplia o pensamento de Joachim
Jeremias ao afirmar: “Jesus condena esse caminho, (não pagar o imposto a César)
ao eliminar as suas premissas. Sua resposta parte da moeda que, na época,
possibilita o comércio. Com isso ele ignora a posição teocrática de Israel bem
como sua lei e aponta para a vontade de Deus como senhor da história, o qual se
manifesta através da situação. Quem tem direito de cunhar moedas, é rei, e Deus
é quem, segundo Dn. 2.21, instala e remove reis.” (GOLLPET, p. 140).
Não
obstante toda esta unanimidade entre eminentes expositores do NT, o teólogo Uwe
Wegner é um daqueles que possui a interpretação de Mc. 12.13-17 anti-romana, ou
seja, que Jesus foi contrário ao pagamento de impostos a César. Em
sua minuciosa exposição, Wegner, em Economia no mundo bíblico, busca
diferenciar a pergunta formulada no versículo 14 e a resposta de Jesus no
versículo 17 com a inserção dos dois versículos relacionados ao denário romano nos
versículos 15-16. Para ele “Jesus é contrário ao pagamento de tributos aos
romanos, mas defende sua tese com o recurso da ambivalência, sobretudo pelo
perigo que representava politicamente assumir algo assim como uma
“desobediência civil ao pagamento dos tributos”” (Wegner, p. 125).
Quando
Jesus solicita a moeda de César, segundo Wegner Jesus está querendo ressaltar
que “uma moeda cunhada a mando de alguém pertence a esse alguém.” Assim, “o que
Jesus estaria propondo com o v. 17 não seria um pagamento de tributos, e, sim,
uma devolução de moedas ao seu legítimo dono” (p. 126). Isto porque, segundo os
vs. 15-16 somente os denários são por direito pertencentes a César.
Assim
se expressa Uwe Wegner: “A inferência é, pois, que, na resposta de Jesus, o
genitivo “de César” tenha por objeto não os impostos referidos três versículos
antes, e, sim, a pertença da moeda romana, confirmada com o mesmo genitivo
pelos próprios adversários no v. 16!” (p. 126). Devolver as coisas de César
seria “tirar da Palestina o mais expressivo símbolo da hegemonia do império”
(p. 127). O
acréscimo feito por Jesus, “Devolvei a Deus as coisas de Deus”, seria, então,
segundo muitas passagens bíblicas, devolver a terra da palestina que pertence
por direito a Deus e não ao Estado romano.
Fica
evidente que a posição de Wegner só é possível com uma manobra exegética muito
bem articulada para ser defendida – embora deva ser admitida sua consistência.
Por outro lado, a interpretação que diz que Jesus, em sua resposta, sem mais
nem menos concordou com a legitimidade do tributo romano, não leva em
consideração toda arbitrariedade e injustiça da política romana na cobrança
tributária. Se isto realmente ocorreu, tornaria Jesus antipopular, logo, por
qual motivo a multidão da Galileia ainda insistia em protegê-lo, se ela era, em
sua maioria, contrária ao imposto romano?
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