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quarta-feira, 29 de julho de 2015

GERAÇÃO DO ARREBATAMENTO?


“Somos a geração do arrebatamento”. É com esta frase que inicio o post de hoje. Essa assertiva descreve muito bem o entendimento bíblico de muitos cristãos referentes às últimas coisas. Infelizmente, trata-se de um entendimento equivocado que faz com que se confunda crença evangélica popular com a fé do cristianismo tradicional do primeiro século registrada nas páginas do Novo Testamento. Ou dito de outra forma, trocamos a música do evangelho do cristianismo nascente por paródias entoadas por evangélicos do século XXI.

Não farei referência ao texto de Mt. 24.40,41, pois essa passagem recebeu uma análise própria no artigo intitulado Leitura Viciada, Deixado ou Tomado? Peço aos interessados que leiam esse post publicado em 2014. Nossa análise se aterá ao tão conhecido e ao mesmo tempo mal-entendido texto de 1Ts. 4.13-18, em especial os versos 16 e 17.

A leitura que se faz dessa passagem de Paulo segue o traço da importação que fizemos do fundamentalismo norte americano. Este desenvolveu um exagerado fascínio pelos acontecimentos relacionados às últimas coisas, ou escatologia. O elaborado plano desenvolvido, ou mapa estrutural de como se dará cada um dos eventos futuros, conhecido por dispensacionalismo, cuja origem remonta a J. N. Darby e aos irmãos de Plymouth, século XIX, espalhou-se rapidamente como interpretação normativa das Escrituras. Entre os livros que poderíamos destacar, citamos o Manual de Escatologia de J. D. Pentecost, da editora vida. A Bíblia de estudo de Scofield (que popularizou o conceito no Brasil) e a Bíblia de Estudo Pentecostal são baseadas nessa corrente interpretativa.

O dispensacionalismo entende que estamos vivendo no fim dos tempos, e em breve todas as profecias referentes a Israel irão se cumprir. Pelo fato de a igreja ser um intervalo no plano que Deus elaborou para Israel, Jesus voltará secretamente para leva-la (o arrebatamento), iniciando assim a Grande Tribulação e a batalha do Armagedon (mais Hollyoodiano seria impossível), para depois retornar visivelmente para a terra.

A essa altura você pode estar perguntando: “Mas quando Paulo diz que seremos arrebatados para encontrar com Jesus nos ares, não está dizendo que ele virá levar sua igreja, como pensa o dispensacionalismo?” A resposta é não.

O dispensacionalismo fez com que a palavra arrebatamento evocasse na mente de muitos crentes a seguinte imagem: em um determinado dia, quando tudo parecer transcorrer na mais perfeita normalidade, alguns cristãos simplesmente desaparecerão, literalmente levados ao céu, numa vinda secreta de Jesus, deixando roupas e tudo o mais que estiverem usando no momento. Isso provocará um caos sem precedentes, com carros desgovernados e aviões em queda livre, pois seus condutores foram levados (arrebatados) da terra.

Antes de qualquer coisa, temos que ter em mente que o imaginário que envolve o conceito do arrebatamento não faz parte de 1Ts. 4.16,17 nem em nenhum outro escrito do Novo Testamento, mesmo diante do entendimento vigente em contrário. Mas se não é isso que Paulo queria afirmar, então o que ele tinha em mente ao escrever 1Ts. 4.16,17?

Paulo busca, nesta passagem, encorajar os cristãos de Tessalônica diante do aparente problema que envolvia a espera pelo retorno de Jesus em face da morte de alguns crentes. Somente os vivos seriam beneficiados nesse dia? A resposta de Paulo é que os mortos ressuscitarão para que juntamente com os demais cristãos vivos, quando do aparecimento de Jesus, possam recepcionar seu Senhor que vem.

Como alguém que oferece um copo com água para um viajante no deserto com a intenção de que este adquira forças até ser conduzido a um oásis, Paulo faz com que seu argumento inicial atinja um clímax com o uso de metáforas oriundas tanto de seu mundo judaico quanto romano.

Em sua teologia, Paulo possui algumas histórias controladoras que servem de terreno para a construção de seu pensamento. Ao citar o “ressoar da trombeta” seguido de “o próprio Senhor descerá dos céus” (v.16), Paulo utiliza a história do aparecimento de Deus (teofania) no Monte Sinai em Ex. 19.9-19, quando Deus desceu em uma montanha para encontra-se com seu povo. Paulo diz que isso novamente vai acontecer, pois Deus descerá, não em uma montanha, mas em toda a terra, seu lugar por direito, para encontrar-se com seu povo renovado.

Outra história utilizada por Paulo é a de Daniel 7 sobre o Filho do Homem vindo nas nuvens do céu. O Filho do Homem que surge nas nuvens, é a descrição que a vinda se dará diante da glória de Deus (note 1Ts. 4.17), pois nuvens na linguagem bíblica simbolizam a presença de Deus.

Com esse imaginário em mente, Paulo acrescenta a metáfora da visita do imperador a uma província ou colônia. O termo comumente traduzido por vinda no v. 15 é parousia, que significa presença. Esse é um termo oriundo de textos helenistas e romano. Quando o imperador fazia uma visita a cidade que lhe pertencia, os cidadãos deveriam sair da cidade para encontrar com o imperador que ainda estava a caminho. Feito essa recepção inicial, todos, juntamente com o imperador entravam oficialmente na cidade. Desta forma, o rei se tornava presente depois de um período de ausência.

Temos com isso o quadro completo descrito por Paulo. Jesus aparecerá em manifestação gloriosa, assim como a ocorrida em Ex. 19.9ss. Neste dia, ele vindicará seu povo, virá em seu auxílio, na descrição de Dn. 7. Aparecerá como rei, o verdadeiro Senhor de toda a terra. É melhor pensarmos na manifestação visível (cf. Cl. 3.4; 1Jo.2.28; 3.2) da presença daquele que nunca havia nos deixado, mas que de uma forma que nos embaraça, encontra-se ausente de nós (perdoem-me a confusão), que imaginarmos Jesus como alguém que voltou de um lugar muito distante, como numa espécie de Super-Homem. Falamos “a vinda de Jesus”, assim como dizemos que o sol está se pondo ou nascendo, mesmos sabendo que é a terra quem gira.

“O encontro com Senhor nos ares”, que faz parte da metáfora da visita do imperador empregada por Paulo, não quer dizer que seremos levados para a atmosfera, mas sim, que recepcionaremos a presença do verdadeiro Senhor do mundo (da mesma forma como se fazia com a vinda do imperador antes deste chegar a cidade) e o acompanharemos para o lugar onde ele está se dirigindo, neste caso a terra, o lugar de seu reino. O encontro não é para sermos levados ao céu, mas para virmos juntos com Cristo para a terra.

Retornando a analogia da música no primeiro parágrafo, entendemos que existe uma linda orquestra diante de nossos olhos. Somos convidados a ouvir sua linda sinfonia. De nada adiantará encontrar-se diante desse majestoso som se não retirarmos nossos fones de ouvido.

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