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quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O MAL, PARTE I

O mal é um daqueles temas que cria um embaraço em nossas cabeças. Tentamos explicá-lo e parece que ele se fortalece mais com nossos argumentos. Diante de uma tragédia, é costume ouvirmos: “Deus tem planos que nós não entendemos”, “foi a vontade de Deus” ou “Deus sabe o que faz”. Semelhante ao monstro mitológico Hidra, quando cortamos uma de suas cabeças com algumas dessas afirmações, surgem outras duas (mais questionamentos com base na explicação dada) avolumando ainda mais esse monstro.

Neste caso, como podemos lidar com o mal? Ele seria uma realidade incontida? Esse é o objetivo de nosso post. Não tentaremos cortar uma de suas cabeças (lembrem da Hidra), pois neste caso teríamos que explicar o surgimento de outras duas no lugar da anterior. Mas isso não nos impedirá, em nossa discussão, que o enfrentemos de frente, certos de sua completa destruição.

A primeira dificuldade em tratarmos do mal está na certeza bíblica da soberania de Deus. Como ele pode existir se Deus é o soberano onipotente? David Hume, filósofo inglês, assim se expressou como numa espécie de eco iluminista de uma declaração do filósofo Epicuro: “Ele (Deus) deseja prevenir o mal, mas não consegue? Então é impotente. Ele consegue, mas não quer? Então é malevolente. Ele é capaz e também quer; de onde, então, vem o mal? ”.

Não podemos responder este problema pela via dualista. No dualismo, Deus ou deus, a representação do bem, não é onipotente. Existe outro poder equivalente, o mal. No fim se espera que o bem (Deus) derrote o mal, numa espécie de “ufa, ganhei!”.

Não produz um resultado melhor redefinirmos o que entendemos por bondade em Deus. Quero dizer aqui sobre qualquer entendimento radical do conceito de soberania divina. Se Deus preordena, decreta, controla e torna certo cada evento ocorrido no tempo e muitos desses eventos são puramente maus, como conciliar isso com a bondade de Deus? A solução é afirmar que aquilo que entendemos por bondade não deve se aplicar inteiramente a Deus. Ele pode, de uma maneira que não entendemos, um mistério, (assim diria alguns calvinistas) desejar bondosamente que ocorra aquilo que os homens fazem maldosamente. Tudo (tudo mesmo), nesse entendimento ocorre segundo a vontade de Deus. Esse tipo de explicação preserva a soberania em detrimento da bondade de Deus. Se Deus revela sua justiça, glória e poder por meio de tragédias, e não apesar das diversas tragédias existente no mundo, ele é na verdade moralmente malévolo.

Uma forma mais equilibrada (arminiana) é dizer que Deus permitiu, mesmo contra sua vontade, tal coisa, como por exemplo, uma tragédia. Mas se ele permitiu o que poderia ser impedido, o que justifica o fato de não ter impedido? A resposta para isso, (provisoriamente) pode ser o conceito de autolimitação divina. Não que Deus seja limitado, mas voluntariamente se autolimitou ao criar um mundo livre, ao ponto deste mundo livremente se opor a sua vontade. Deus não deseja que o mal aconteça, como por exemplo uma morte violenta, mas ele pode em seu poder infinito realizar algo de bom, apesar do mal acontecido, mesmo não o tendo provocado. Ele livremente permite ter sua vontade momentaneamente frustrada, pois ele deseja compartilhar seu governo sábio, justo e bondoso com suas criaturas. O mal é sempre oposição a Deus, mas ainda assim Deus encontra-se a favor de sua criação.

O mal é inevitável em um mundo que um dia caiu de seu estado de bondade (Gn 3). Ele não é incontido, incontrolável, mas, até o presente momento, inevitável. Se o mal surgiu e ainda se encontra dentro da criação de Deus, mesmo não sendo parte dessa criação, o mesmo Deus encontra-se ativo em sua criação no empenho de derrotar esse mal.

A Bíblia não nos dá (isso será uma decepção para muitos), uma resposta ao problema do mal, antes, o que temos é o relato do que Deus fez, faz e fará em relação a todo o mal no mundo. Queremos uma explicação e o que recebemos é uma narrativa. Em Gn. 3,6,11 Deus puniu o mal impedindo que ele ultrapassasse os limites de suas próprias fronteiras. Em Gn. 12, inicia seu projeto de resgate, o plano de abençoar todos os povos, sobrepujando todo o avanço do mal. Na cruz, Deus por meio de Jesus conduziu o mal ao ponto dele poder realizar o máximo de sua maldade, rompesse os limites de sua própria atuação. Indo ao extremo, aos limites de todo seu horror, o mal foi confrontado, julgado pelo ilimitado poder do amor e justiça de Deus. Em sua fragilidade na cruz, Jesus venceu todo o poder do mal. O Messias verdadeiramente triunfou (Cl. 2.15).

Por fim, temos a visão bíblica de um mundo onde o mal será completamente banido. Um mundo curado, restaurado, refeito, como bem descreveu João em Ap. 21 e 22. Se agora o mal está derrotado, mas ainda presente, no novo mundo de Deus (que outra coisa não é senão esse mundo curado) o mal será definitivamente destruído. 

Até a parte II de nosso artigo onde abordaremos a doutrina dos decretos. 

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