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sábado, 22 de outubro de 2016

A GRANDE HISTÓRIA, PARTE II

Já assistiu aquele filme que a trama é tão complexa que na ausência de um personagem a história ficaria completamente sem sentido? Costumamos chamá-lo de herói. Alguém que é o centro gravitacional de todos os acontecimentos. Sua função é convidar o público a enxergar “o mundo da história através de seus olhos” (Christopher Vogler). 

Na Grande História, Jesus é esse herói. Ele mesmo afirmou isso ao dizer que não veio para ser servido, mas para servir. Mais do que uma demonstração de humildade, essa afirmação descreve alguém convicto de uma vocação, agir em favor dos outros. Aliás, a palavra herói no grego significa proteger e servir. Desta forma entendemos melhor o dito de Jesus. Sendo herói, ele nos convida a enxergar a longa história do Deus Criador narrada no Antigo Testamento através de seu próprio olhar. Mas de que forma? Preste atenção para não perder nada desse longa-metragem.

Jesus é o quarto ato de um longo drama. O primeiro ato foi a criação (Gn. 1-2), o segundo ato foi a Queda (Gn. 3) e o terceiro o chamado de Abraão e seus desdobramentos (Gn. 12 até Malaquias). Deus prometeu grandes coisas para o mundo através de Abraão e sua descendência. Percebemos, porém, que a grande vocação dada a família de Abraão, de ser o estranho veículo através do qual a benção de Deus alcançaria todos os povos, não se sustenta. Israel foi infiel ao chamado de refletir Deus para o mundo, e assim como Adão e Eva, absorveu a realidade da morte para si. Nesse momento surgem flashes de um antigo casal que foi levado ao exílio (Gn. 3). A história desse casal (Adão e Eva) se repete na vida da família de Abraão (Israel).

Mas se Israel não cumprir sua vocação, o propósito do Criador de abençoar todas as nações e libertar sua criação será abortado. Deveria ele escolher outro povo e recomeçar seu plano? Sua fidelidade a aliança será anulada? Surge aqui um personagem vindo do futuro, como flash em Batman vs Superman (perdoem o spoiler), que responde essas indagações e diz: Certamente que não. Seja Deus verdadeiro e todo homem mentiroso (Rm. 3.3,4).

Deus levantará um israelita fiel, alguém capaz de levar a história de Israel ao seu verdadeiro cumprimento. Esta pessoa será para Israel o que Israel deveria ser para o mundo, o veículo da benção que alcançará todos os povos.

Surge enfim Jesus. De uma forma muito arriscada ele incorpora em sua própria vida a antiga esperança da vinda de um grande e definitivo rei, da restauração do templo, lugar da glória do SENHOR bem como do tão aguardado retorno de Deus ao seu povo. Mas como ele poderia fazer isso? Proclamando em alto e bom som: O tempo é chegado e o reino de Deus está próximo (Mc. 1.15). 

O tom revolucionário da linguagem do reino unido à esperança de sua vinda, junto às frustrações de vários movimentos messiânicos, iria romper o dique represado das águas do longo plano de Deus, varrendo o mal concretado no mundo, surgindo em seu lugar uma nova humanidade e um mundo novo.

Se a notícia da proximidade do reino foi como um raio no céu, as ações de Jesus foram o estrondo desse raio que caiu na palestina do século I. Ele curou, realizou milagres, perdoou pecados, participou de refeições, contou histórias, tudo isso para demonstrar, de todas as formas possíveis, que o reino de Deus estava sendo inaugurado na terra como no céu. Uma nova ordem estava irrompendo no mundo de espaço, tempo e matéria. O que Jesus fazia não era simplesmente curar e salvar as pessoas, mas por meio de pessoas curadas e salvas, levar os propósitos do Criador para sua boa criação.

Não entender isso é o mesmo que apreciar uma paisagem de uma janela sem antes ter retirado suas persianas. Muitas pessoas por não entenderem a vocação de Jesus, confundem, com isso, a persiana com a paisagem por detrás dela. Por exemplo: sabemos que ele veio para Israel, seu povo, mas como este não o aceitou, ele se voltou para as demais pessoas. Costumava ouvir, com base nisso, que a nossa salvação se deve ao fato de Israel ter recusado Jesus, o Messias. Os dados históricos estão certos, mas a interpretação está errada. Deus não escolheu Israel em detrimento das demais nações, mas em favor delas. O amor de Deus por Israel irradiaria para todos os povos alcançando toda a criação. O amor exclusivo se tornaria expansivo. Jesus, com isso, salva seu povo de seus pecados (Mt. 1.21) em benefício da salvação de todos os povos, não como base de alguma expiação limitada. Ele se volta para as ovelhas perdidas da casa de Israel (Mt. 10.5,6) para que Israel se volte para o mundo (Mt. 28.19,20). 

Jesus disse certar vez: O Filho do homem tem na terra autoridade para perdoar pecados (Mc. 2.10). Ao pecar, Adão perdeu sua autoridade na terra, e como consequência a maldição invadiu o mundo criado (Gn. 3.17). Ao perdoar pecados, Jesus inicia o processo de libertação da criação, pois se o pecado de Adão aprisionou o mundo, o perdão dado por Jesus o liberta. Ele assumiu a responsabilidade em seus ombros de levar ao seu verdadeiro cumprimento o que a benção de Abraão prometia e deveria lidar, mas que parecia ser incapaz de realizar. É isso o que vemos em cada página dos evangelhos. 

Ele entendia, com seu apurado conhecimento das Escrituras do Antigo Testamento, que deveria levar a história de Deus com Israel ao seu momento decisivo. Com isso em mente, se dirige para Jerusalém (Mt. 21) com a estranha missão de cumprir o tão aguardado retorno de Deus ao seu povo. Alguns profetas disseram que um dia Deus voltaria para Jerusalém e entraria no templo (Is. 40.3-5; 42.7-10; Ez. 43.1-9; Zc. 2.10-12; Ml. 3.1-4). Jesus sabe que se estiver errado, no melhor dos cenários estaria equivocado, e no pior, seria encarado como um lunático. Ele estava disposto a correr esse risco. Em Jerusalém ele conta a história de um antigo dono de terras que depois de uma longa viajem um dia retornaria (Mt. 21.40; 25.19). O proprietário em questão era Deus. Ele havia deixado seu povo durante o exílio, esse é o referencial da história. Jesus estava dizendo: a espera pelo retorno acabou, chegou o momento de Deus revisitar seu povo. Mas quem tinha entrado em Jerusalém e no templo era o próprio Jesus. A conclusão não poderia ser outra: Deus revisitou seu povo na pessoa desse jovem profeta da Galileia. A esperança se cumpriu, mas de uma forma nunca esperada. 

Ele liderou a decisiva batalha de Deus contra o mal e venceu. Mas isso será uma outra história. 

Esse é o olhar do nosso herói. Não um olhar de filósofo, mas nem por isso menos complexo, nem de um teólogo, mas nem por isso menos religioso, ou mesmo de um cientista, mas nem por isso menos objetivo. É simplesmente o olhar de Jesus.

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