Escrevo este artigo para informar que podemos, em nome
de uma falsa ortodoxia, defender uma doutrina denominacional em detrimento da
Revelação Bíblica. Como exemplo cito os adventistas, que negam veementemente a
sobrevivência da alma no pós-morte e como consequência refutam qualquer
possibilidade de uma existência desincorporada do crente ao lado do Senhor no
céu no instante de sua morte.
Eles entendem que se Enoque foi arrebatado (Gn. 5.14),
Moisés a tradição diz que o próprio Deus o enterrou (Dt. 34.5,6; veja a disputa
pelo corpo de Moisés em Jd. 9) e Elias levado em uma carruagem de fogo (2Rs.
2.9-14) já se encontram no céu, isto se deve ao fato de já terem ressuscitado.
Para os adventistas, no céu não entram almas desincorporadas, mas somente
pessoas com corpos glorificados.
Embora isto seja uma interpretação justificável somente
à luz de uma coerência doutrinária intra-eclesiástica, ela é precária diante
dos dados fornecidos pela revelação bíblica. Esta ortodoxia adventista torna-se
– se me permitem assim falar - em verdadeira “doxolatria”, uma veneração
ilimitada a algum dogma eclesiástico não sustentado pela Bíblia.
Se fosse verdade que os personagens listados acima já
ressuscitaram, como isto pode se enquadrar com o texto de Atos 26.23 que diz “que
o Cristo haveria de sofrer e, sendo o
primeiro a ressuscitar dentre os mortos, proclamaria luz para o seu próprio
povo e para os gentios" (grifo nosso). Esta é uma verdade que se acha no
próprio Moisés de acordo com Paulo (cf. v.22). A possibilidade de uma ressurreição
pessoal só é real tendo a ressurreição de Cristo como fundamento. Mas como seria
possível, então, a ressurreição definitiva de Enoque, Moisés e Elias, antes da
ressurreição do próprio Cristo? Se Enoque e afins já ressuscitaram, então como
Cristo pode ser “o primogênito dentre os
mortos” (Cl. 1.18; Ap. 1.5)? Veja que para Paulo a razão de se acreditar
numa ressurreição futura se deve ao fato de Deus ter ressuscitado o próprio
Cristo (2Co. 4.14), e não que outros já tivessem ressuscitado, neste caso,
Enoque, Moisés e Elias – volto a afirmar, como dizem os adventistas.
Pode-se identificar outro problema com esta doutrina.
Ela só foi descoberta com o advento – perdoem o trocadilho – do movimento
adventista. Nem Jesus, tampouco Paulo tinham ciência deste possível acontecimento.
Em Gl. 1.11,12, por exemplo, Paulo diz que o evangelho que ele proclamava tinha
sido dado por revelação do próprio Cristo. Logo, fica uma indagação: qual o
motivo deste ensino não ter sido revelado? A única resposta é que ele é uma
invenção não bíblica.
Ao falar para Marta da realidade da ressurreição, Jesus
não se refere a alguma ideia de ressurreição já ocorrida de Enoque, Moisés ou
Elias, antes, faz de si mesmo a realidade da crença de que Lázaro poderá
ressuscitar (Jo. 11.23,25). Marta, pelo contrário, expressa sim, a fé de todo
judeu de sua época em uma ressurreição geral que somente ocorrerá no último dia
(Jo. 11.24). Este deveria ser um bom momento para Marta fazer referência a esta
possível ressurreição destes três personagens. Será que ela não o fez por falta
de fé ou porque tal evento nunca ocorreu? Creio ser a segunda opção a única
possível!
Outro texto que se pode evocar como prova da falsidade
deste ensino é Lc. 20.37,38. Aqui, Jesus diz que o próprio Moisés confirma a
crença na ressurreição ao falar que Deus é o Deus de Abraão, de Isaque e de
Jacó. A máxima jesuânica da declaração mosaica é: “Ele não é Deus de mortos, mas
de vivos, pois para ele todos vivem”. Logo, se for verdade a impossibilidade
que alguém após a morte - exceto por meio da ressurreição - já se encontre com
Deus, a conclusão deveria ser: não somente Enoque, Moisés e Elias já
ressuscitaram, mas também Abraão, Isaque e Jacó, pois para Jesus estes se
encontram vivos com Deus. O impressionante é que os adventistas não chegam a
esta conclusão obvia. Se Jesus desejava validar o ensino sobre a ressurreição,
por qual motivo não disse que o próprio Moisés já havia ressuscitado, já que o
citou no debate? Deve-se levar em conta que os saduceus reconheciam somente os
livros de Moisés como inspirados. Jesus perdeu, com isto, uma ótima
oportunidade.
Paulo, da mesma forma, em suas declarações sobre a
ressurreição, em nenhum momento deixa transparecer a crença na possibilidade de
uma ressurreição definitiva já ocorrida em alguém, exceto Jesus. Isto fica bem
evidente em Romanos 6.9, onde pelo seu teor verbal, a realidade declarada deva
ser admitida somente a Jesus. Veja que somente de Jesus pode ser dito que seu
corpo não sofreu decomposição, em outras palavras, ressuscitou (At.
2.27,31;13.34,35,37). A ressurreição no entender paulino sempre é encarada como
uma esperança, expectativa, evento futuro (At. 24.15). Esta certeza na
ressurreição se deve ao fato de somente
Cristo ter ressuscitado (1Co. 6.14).
Quando, diante do rei Agripa, Paulo é levado a expor os
fundamentos de sua pregação, este indaga: “Por que os senhores acham impossível
que Deus ressuscite os mortos?” (At. 26.8). O que se segue é que a aparição de
Jesus (At. 26.9-23), que antes havia morrido, torna inverossímil qualquer
tentativa de se afirmar que fosse “impossível que Deus ressuscite os mortos”.
Ora, a aparente impossibilidade de Deus ressuscitar os mortos, julgada por
alguns judeus, poderia ser facilmente revertida, nesta ocasião, fazendo-se uso
destes três exemplos – se fosse realmente verdade – de pessoas já ressuscitadas,
Enoque, Moisés e Elias, antes mesmo de citar a ressurreição do próprio Jesus.
Veja também que em 1Co.15.12ss, o problema de se negar a futura ressurreição
dos mortos é que isto torna inverídica a única ressurreição definitiva já
ocorrida, a de Jesus Cristo, mas nenhuma outra, pois do contrário Paulo a teria
citado.
Creio ter sido possível demonstrar que não há nenhuma,
nem mesmo uma mínima evidência bíblica que possa sustentar o ensino
sobre a ressurreição de Enoque, Moisés e Elias. Lembremos, com isto, a
recomendação paulina de não se ultrapassar o que está escrito, não incorrendo,
assim, no erro adventista (1Co. 4.6; cf. 2Jo. 9).