Não é preciso dizer muito sobre a atração que a série Vikings produz em seus fãs. Quem nunca ficou fascinado ao assistir na TV soldados destemidos, de semblantes ameaçadores, com escudos e machados em punho durante uma batalha? Qual amante de uma boa série não gosta de uma trama envolvente? Que leitor de mitologia não se encanta em ver mitos entretecidos na vida de seus personagens? Tudo isso nós encontramos na série da Netflix.
Levantando as velas de nosso barco viking, desejo entrar em águas não navegadas, ao menos por parte de alguns fãs da série. A brutalidade existente nos mitos nórdicos pode ser vista no estilo de vida viking, o que faz deles um povo coerente, ou seja, a vida dos deuses refletida em comportamento terreno. Deuses ávidos por sangue produziu um povo sangrento.
Nesse lugar coberto de neve, a morte faz parte do tear que compõe o tecido da vida. Basta assistir um episódio para se comprovar isso. Seu horror pode ser visto embora sua realidade brutal não seja temida. Isso se deve a uma visão de mundo fatalista. A morte de um inimigo ou mesmo do guerreiro viking em batalha não é outra coisa senão o resultado inevitável de algo que não poderia ser alterado.
O que me chama atenção na série é como cristianismo e mitologia viking se confundem. Penso que isso é tanto intenção do autor quanto constatação de um dado histórico pontual. Vemos, com isso, tanto traição, ganância e brutalidade em ambos os lados. Presenciamos ocorrências místicas tanto no terreno da cruz quanto no território do martelo de Thor. A fé do padre Athelsten é contrastada com a fidelidade de Floki aos seus deuses. Se os vikings matam em nome de Odin, o lado cristão diz matar em nome de Cristo. Nada mais autocontraditório. Um cristianismo brutal se torna, assim, um cristianismo pagão. Não dá pra fazer uso da força em nome daquele que morreu para acabar com toda forma de comportamento brutal. O cristianismo da série Vikings se auto-anula, destrói sua própria Mensagem ao deixar rastros de morte. A vitória dos que matam se torna a derrota dos próprios vencedores. Claro que não podemos confundir esse cristianismo medieval com a fé judaico-cristã das páginas da Bíblia.
Se os vikings aguardam o dia do Ragnarok (o crepúsculo dos deuses), o fim de acordo com sua cosmovisão, quando deuses, gigantes e guerreiros lutarão até não existir mais nada, e toda criação afundará num mar escuro, a mensagem cristã pode dizer em termos vikings que o Ragnarok já aconteceu, ao menos não na forma como eles imaginavam nem no lugar ou tempo em que eles esperavam.
A batalha decisiva foi travada por um homem, Jesus, o Messias, não por um exército de guerreiros. O mal em todas as suas formas foi decisivamente derrotado. Sua dimensão oculta, semi-pessoal, foi vencida lá na cruz, lugar onde o amor e a justiça de Deus se revelaram. Um mundo de injustiça, maldade e traição afundou em si mesmo no dia em que o mal fez o pior com o Filho de Deus. O fim foi inaugurado no meio da história. Um novo começo iniciou.
Se fosse possível um duelo entre Jesus e Thor, posso dizer que Cristo morreria, mas é certo que o deus do martelo perderia. Pois enquanto na mitologia nórdica Thor vence pela força bruta, a mensagem do evangelho diz que Cristo venceu a força bruta pelo amor que se doa. A força bruta vence no mito, o amor, por sua vez, venceu na história.