Alguns assuntos são difíceis de serem compreendidos. Temos dificuldade de assimilar um assunto por causa de sua complexidade (a trindade, por exemplo), ou recusamos uma doutrina por causa da aparente repulsa moral que ela nos provoca: como admitir a existência do inferno com a mensagem de um Deus de amor pregada pelo cristianismo?
Em nossa época pós-moderna, não há espaço para assuntos que inibam o comportamento das pessoas, ou que digam que suas ações têm consequências eternas. Ninguém quer ouvir algo que incomode sua consciência. Queremos ir à igreja e ouvir alguma coisa que nos ponha para cima, que nos traga alegria, que mostre o quanto somos bons ou mesmo valiosos. Como pregar sobre o inferno num cenário desses?
Há outro problema também: alguns falam do inferno de uma forma tão caricata que na imagem popular o inferno se tornou o lugar de reinado do diabo (quem nunca ouviu a expressão, “nem o diabo quer ele no inferno"?), um folclore dos evangélicos. É comum vermos vídeos compartilhados por cristãos onde as pessoas são atormentadas no inferno pelos demônios (como no filme Constatine). Basta uma rápida pesquisa na internet para confirmar o que eu digo.
Por isso não quero ser nessa noite um pregador medieval. Alguém que fala do inferno como se ele fosse uma masmorra que satisfaça o desejo sádico por tortura de um deus maldoso. Ou mesmo alguém que tem o desejo mórbido para ver pessoas sendo punidas eternamente.
INFERNO, UMA DOUTRINA INTOLERÁVEL
Todos concordam que possa existir um Deus de amor que perdoa, mas um Deus que julga e condena, isso não. É algo ofensivo. Um filósofo holandês (Hermann Dooyeweerd), disse certa vez que a fé natural do homem se torna incredulidade diante da verdade da Palavra de Deus.
A doutrina do inferno é um golpe mortal ao sonho moderno marcado pela busca do poder. Quantos líderes ao longo da história massacraram inocentes somente para que seus ideais de grandeza fossem satisfeitos? Quantos governos comunistas tiveram suas bandeiras tingidas pelo derramamento de sangue? Milhões de pessoas morreram sob o peso de regimes comunistas. A doutrina do inferno diz para esses ditadores: há um preço a pagar. Não ficarão impunes para sempre.
O desejo por poder não é visto somente na vida de ditadores, mas também no comportamento do cidadão comum. Queremos que tudo seja alterado para se ajustar aos nossos desejos. A única verdade absoluta para o homem moderno é seu próprio desejo. Somos aqueles que determinam o que é certo e o que é errado (Is. 5.20). No programa do GNT, Papo de Segunda, Leo Jaime disse que temos a “liberdade de encontrar o prazer onde ele estiver”. O erro foi abolido da mentalidade moderna. Nos encontramos na época em que os insultos devem ser redefinidos e não abandonados. A mulher da atualidade tem o "direito de ser vadia ou piranha" (isso foi dito por uma mulher num programa de TV). É o chamado direito para se fazer o que bem deseja com o corpo. Todos devem aceitar isso. Só não se aceita que alguém discorde desse comportamento. Estamos numa época em que o mal é glamourizado, é o estilo de vida alternativo em um mundo sem sentido.
Isso cria um embate com a mensagem do evangelho: ou as pessoas possuem o direito de determinar o que é certo e errado ou aceitam que haverá um julgamento final e condenação para os que adotaram o erro como prática de vida. Por que alguém deveria ser julgado pelo seu adultério se para ela não há nada demais em adulterar? A resposta fica com o apóstolo Paulo (cf. Rm. 2). Pelo fato da Bíblia ser a revelação de Deus, uma hora ou outra ela vai contrariar nossas opiniões. Já foi dito que o verdadeiro ópio do povo é a crença no nada após a morte. A ideia de que nossas traições, ganância, inimizades, imoralidades não serão julgadas. Esse é o melhor dos consolos para aqueles que se acham no direito de fazer o que bem entendem.
CORRIGINDO A VISÃO POPULAR DO INFERNO
Quando falamos em inferno vem logo a nossa mente Deus lançando pessoas que imploram por piedade às chamas eternas. Essa imagem faz com que fiquemos do lado dos que são condenados e um pouco receosos com a atitude implacável de Deus. Podemos afirmar que isso é uma caricatura e não a imagem real.
A palavra inferno, é gehenna, que no hebraico é Hinon, Vale de Hinon, um antigo lugar onde se fazia sacrifícios humanos (2Rs. 16.3; 21.6). Por ter sido considerado imundo, se tornou um depósito de lixo com fogo constante e matéria orgânica em decomposição, daí a imagem do bicho que nunca morre e do fogo que nunca se apaga. Logo, a imagem do fogo e do bicho é uma comparação feita por Jesus, não uma descrição literal do inferno. O fogo pode estar relacionado com a desintegração da personalidade humana, e trevas, outra imagem bíblica do inferno (Mt. 25.30), pode significar isolamento. O inferno é o lugar onde as pessoas estarão cada vez mais afastadas de Deus e umas das outras.
A história do rico e Lázaro contada por Jesus nos dá algum indício da realidade e horror do sofrimento (Lc. 16.19-31). O rico parece ignorar a inversão de situação. Ele encara Lázaro como seu servo, uma pessoa de recado. Ele dá a entender que Deus não deu alerta suficiente sobre a realidade da condenação. Ele mesmo não pede para sair do lugar de sofrimento. É alguém que não possui nome, é somente o homem rico. Sua identidade se perdeu com a perda da riqueza, ao contrário de Lázaro.
No inferno, o egoísmo e orgulho que marcam todos os pecados, crescerá por toda a eternidade, ao ponto de ninguém desejar nem mesmo sair do lugar de condenação, mesmo diante da dor e sofrimento. Seu orgulho e egoísmo não permitem. É um estado sub-humano, serão pessoas desumanizadas, nem mesmo poderão provocar o sentimento de compaixão nos outros. Cada vez menos refletirão a imagem do Criador. Sméagol, o Gollun de O Senhor dos Anéis, exemplifica muito bem isso. Se tornou uma criatura grotesca ao encontrar o Um Anel, o próprio poder do mal (Um Anel para a todos governar, um Anel para encontrá-los; Um Anel para todos trazer e na escuridão aprisioná-los - não resisti!).
O INFERNO ANTES DA MORTE
É costume relacionarmos o inferno a uma realidade somente depois da morte para os que recusam a mensagem do evangelho. Mas podemos identificar a desumanização do homem, a desintegração de sua personalidade, seu isolamento constante, o orgulho avassalador bem como seu egoísmo crescente na vida daqueles que por não seguirem a Jesus, por não adorarem ao Deus verdadeiro vivenciam a realidade do inferno em estado crescente em suas vidas. Quantos não se encontram assim pelo aprisionamento ao vício, ao sexo, dinheiro, poder, maldade? Um estado verdadeiramente desumano.
A SOLUÇÃO
Aqui entra a boa notícia do evangelho. Jesus era judeu, um homem de pouco mais de trinta anos. Ele acreditava que Deus por seu intermédio estava cumprindo seu antigo propósito de salvar a criação. Por isso ele morreu na cruz, para que o mau fosse derrotado e o perdão de Deus irradiasse por todo o mundo. Ao ressuscitar dos mortos ele iniciou o projeto da nova criação e aqueles que o seguem passam a fazer parte deste projeto de renovação de todas as coisas. Quem está em Jesus é nova criação (2Co. 5.17) e por causa disso, não há mais condenação para seus seguidores (Rm. 8.1). Essa é a boa notícia que nos livra da condenação do inferno.
Glória ao Pai, Glória ao Filho, Glória ao Espírito Santo.