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sábado, 9 de novembro de 2013

LEITURA VICIADA


Já parou para pensar que muitas vezes temos a interpretação de um texto bíblico antes mesmo de iniciarmos a leitura? Quer um exemplo como prova? Então, aí vai um: quem aclamou “Hosana ao Filho de Davi” em Mt. 21.1ss e logo depois em Mt. 27.20-23 exigiu que Jesus fosse crucificado? A resposta para isto, seria, a mesma multidão. Não é mesmo?

Sempre ouvi isso, e eu mesmo, várias vezes, já afirmei que a multidão que aclamou Jesus foi a mesma que alguns dias depois gritou enfurecidamente, CRUCIFICA-O. Usa-se como sustentação para isto o fato de que a maior parte da população seja facilmente influenciada por uma minoria detentora de poder. No caso em questão, a minoria seria “os chefes dos sacerdotes e os líderes religiosos” (Mt. 27.20).

Contudo, seria esta explicação uma realidade contida no texto? A resposta é não. Na verdade, os evangelistas falam de duas multidões. Uma que aclamou “hosana”, e outra que gritou crucifica-o”. Como fundamentação para nossa resposta faremos uso dos evangelhos sinóticos, Mateus, Marcos e Lucas.

Em sua narrativa da vida de Jesus, Marcos faz muitas referências a multidão que acompanhava Jesus. Ao todo são trinta e quatro vezes. Já no início de seu evangelho, Mc. 3.7, é dito que uma multidão se deslocou da Galileia e seguia Jesus. Em Mc. 12.12 é relatado que a multidão foi o elemento inibidor para que os líderes religiosos não concretizassem imediatamente seu plano de acabar com a vida de Jesus. Em outras palavras, esta multidão o protegia. Somente em Mc. 15.8,11,15 a multidão é descrita como sendo hostil a Jesus. Com isto surge a pergunta: seria o mesmo grupo de pessoas que protegia Jesus, mas que agora vocifera por sua morte? Entendemos que não.

O episódio da entrada triunfal é a chave para a devida compreensão de que houve duas multidões, uma a favor de Cristo e outra contra. Lemos em Mt. 20.29 que “uma grande multidão” seguia Jesus (cf. Mc. 10.46). É uma narrativa imediatamente anterior ao relato de sua entrada triunfal. Em Mt. 21.1 o texto diz: “Quando se aproximaram de Jerusalém...”. Quem são esses que se aproximaram de Jerusalém? Só pode ser Jesus, seus doze discípulos e a multidão relatada em Mt. 20.29. Logo, foi esta multidão que estendeu tanto os mantos quanto os ramos de árvores para a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, e não os habitantes desta cidade (Mt. 21.8). O texto de Mt. 21.10 deixa bem claro que a cidade de Jerusalém desconhece quem seja Jesus, o que confirma sua não participando no evento. Somente a multidão que o acompanhava desde a Galileia pôde responder a indagação de seus moradores (v. 11). Em At. 13.31 fica evidente que uma multidão vinda da Galileia havia se deslocado para a cidade de Jerusalém. Esta multidão, afirmamos, não participou do pedido pela crucificação de Cristo.

Tendo isto por assentado, podemos dizer que o texto de Mc. 15.8,11,15 descreve a multidão de moradores da cidade de Jerusalém. Não teria nenhuma relação com a multidão que aclamou Jesus na entrada triunfal. Eles, sim, exigiram a crucificação de Jesus. Foram facilmente incitados pelos líderes religiosos quando da possível soltura de Barrabás (Mc. 15.9-15), porque não tinham real conhecimento de quem era Jesus. Barrabás, por sua vez, era alguém conhecido dos moradores de Jerusalém. Isso fica subentendido quando Lucas diz que foi solto realmente quem eles pediram, o prisioneiro Barrabás (Lc. 23.18,25). Ele havia sido preso por causa de uma insurreição na cidade (Lc. 23.17-25). Assim, foi mais fácil concordar que soltasse alguém conhecido por sua luta pelos ideais de libertação judaica, pois Barrabás era um nacionalista, que um Messias que em nada lutou por libertação da opressão romana. 

Com isto chegamos a seguinte conclusão: a multidão existente na entrada triunfal em Jerusalém era constituída por pessoas oriundas da Galileia. A multidão que pediu a crucificação de Jesus foi formada pelos habitantes de Jerusalém. O grupo que acompanhava a Cristo deve ter se desfeito facilmente com o maior número de pessoas que pediram pela crucificação de Jesus.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

NÃO SOU BATIZADO MAS QUERO PARTICIPAR DAS DECISÕES DA ASSEMBLEIA DA IGREJA. POSSO?


Por que somente pessoas batizadas podem participar das decisões da igreja local? O simples fato de ser um convertido não seria suficiente para se tornar um partícipe das resoluções da assembleia? O pré-requisito do batismo teria somente fundamentação no estatuto da igreja local, sem nenhuma evidência bíblica? O post de hoje tenta esclarecer as razões bíblicas para estes possíveis questionamento de alguns novos convertidos em igrejas batistas.

Antes de qualquer coisa, deve-se levar em conta que os eruditos do NT são unânimes em afirmar que o batismo era o rito de admissão na comunidade local. Ou como se diz em teologia sistemática: o rito de iniciação do novo crente.

Em Romanos 6.3 Paulo deixa bem claro que os crentes que compunham a igreja em Roma eram batizados. Ele mesmo expõe no texto que havia sido batizado (note o “todos nós”). Isto é significativo pois a igreja em Roma não foi fundada por Paulo. Pressupõe-se com isto, que o batismo era prática de admissão ou incorporação na igreja muito tempo antes de Paulo. Note também que em Cl. 2.13 o apóstolo se dirige aos membros da igreja de Colossos como pessoas batizadas, outra igreja não fundada por Paulo.

Paulo explica em 1Co. 12.13 que o batismo, no que diz respeito a igreja local, nos torna membro do corpo de Cristo. Este batismo é realizado na esfera do Espírito, observe o “em um único Espírito” (NVI). Segundo Bultmann, isto pode ser entendido como fórmula eclesiástica. Assim, podemos falar que alguém passa a fazer parte da igreja invisível, ou universal, quando da aceitação por Cristo. Contudo, a inserção na igreja local, ou visível, se dá somente por meio do Espírito Santo através do rito batismal, logo, neste sentido, algo realmente acontece na vida do salvo (falaremos disto em outro post). Como o erudito do Novo Testamento Oscar Culmann disse sobre esta passagem: “o Espírito atua no próprio ato da incorporação”.

Uma prova bíblica de que o batismo era o rito de admissão na igreja é o texto de At. 2.38,41. Em outras palavras, tornava-se membro da igreja unicamente por meio do batismo. Veja que o texto diz que foram acrescentados à igreja os três mil batizados. O mesmo pode ser dito do acontecimento de At. 2. Nesta passagem fica subentendido que receberam o Espírito Santo aqueles que já haviam sido batizados pelo batismo de João. Ou seja, vivenciaram o cumprimento da declaração de João, o Batista em Mc. 1.8. Observe também que em At. 1.13 a reunião dos apóstolos juntamente com as mulheres, infere-se que eram pessoas batizadas. Se o próprio Jesus havia sido batizado, é impensável que seus discípulos não fossem batizados à exemplo de seu Mestre. A razão disto é que os discípulos de Jesus inicialmente foram discípulos de João, o Batista (cf. Jo. 1.35-40). Este fato serve como corolário de nossa afirmativa.

Tendo isto por assentado, as seguintes passagens se revestirão de toda sua importância. Isto porque o primeiro assunto levado em discussão na igreja – uso este termo aqui em sentido abrangente – foi direcionado à pessoas que já eram batizadas (At. 1.21-23).

Em At. 6.2-6 os Doze se reúnem com os discípulos para resolverem o problema da correta administração da beneficência. Nem é preciso dizer que os Doze eram pessoas batizadas. Mas e os discípulos relatados na passagem? Para esta resposta, basta lembrarmos o que Jesus disse quando da convocação da grande comissão: façam discípulos de toda as nações, BATIZANDO-OS (Mt. 28.19). O discípulo, seria, segundo Jesus, alguém que deveria passar pelo rito do batismo. Com isto, mais uma vez as resoluções da igreja ficaram a cargo de pessoas batizadas. O mesmo pode ser dito em relação ao texto de At. 15.22.

Desta forma fica claro a importância bíblica de se levar assuntos concernentes a igreja somente para a apreciação de crentes batizados. Assim, o assunto ora desenvolvido, antes de ser encarado como questão meramente estatutária, constitui-se na verdade, numa preservação de um costume bíblico neotestamentário. 

terça-feira, 15 de outubro de 2013

"AQUI DEUS SE FAZ PRESENTE"?

Escrevo este artigo como um manifesto em decorrência de alguns crentes que pensam ser a presença de Deus uma espécie de monopólio de suas congregações. É costume nós ouvirmos, ou lermos – o que foi o meu caso – que o fato de ocorrerem algumas manifestações sobrenaturais em seus locais de culto, isto serve como indicativo da atuação divina. Estas pessoas confundem eventos sobrenaturais, e porque não dizer impessoais, com o Deus pessoal revelado na Bíblia.

Quando eles dizem que Deus está aqui – entendam que o “aqui” é na verdade lá – transmitem tanto uma ideia de um deus local – me recuso a usar o termo com d maiúsculo – quanto confundem a presença de um determinado líder como prova da presença divina. Esta teologia não é nada nova. É na verdade a teologia de Naamã. Este pensava que Deus se fazia presente somente no território israelita, daí a necessidade dele levar um pouco de terra para adorar ao SENHOR em outro território (2Rs. 5.15-17).

Outro equívoco é pensar que a realização de eventos miraculosos promovidos por seus líderes servem como demonstração do agir de Deus. Esta mentalidade moderna teria facilmente aprovado com sendo divino os feitos dos magos do Egito, quando do embate com Moisés (Ex. 7.10-12,20-22a). A Bíblia, por sua vez, nunca confunde realizações sobrenaturais com aprovação de conduta. Pode existir um sem o outro. Veja Mt. 7.21-23.

Este seguimento “evangélico” que parece ter o domínio da presença divina deveria buscar compreender a antiga verdade de que Deus embora não seja descontrolado, Ele é INCONTROLÁVEL. Esta é uma característica essencial de sua natureza insondável. Não são poucos os exemplos que temos de cultos que são realizados com propósitos pré-determinados, o que anula a incontrolabilidade de JAVÉ, nome de Deus no Antigo Testamento: culto de milagres, alguns com doenças específicas, celebrações onde se afirmam que ocorrerá uma espécie de novo pentecostes com pessoas batizadas com, no ou sob o Espírito Santo, cultos de libertação, restituição e afins. 

O exemplo maior da natureza incontrolável de Deus se acha no episódio de Ex. 19. Nesta teofania (manifestação de Deus), cujos elementos existentes se caracterizam muito bem com uma erupção vulcânica, serve como demonstração da natureza incontrolável de Javé. Como salientou Antonius Gunneweg, teólogo europeu que possui uma aguçada percepção das verdades bíblicas do Antigo Testamento, sobre a aparição de Deus no Sinai: “Não por último é também um Deus terrível, inacessível e perigoso, como o vulcão sobre o qual se manifesta”. [...] “Nenhum ser humano, porém, pode torná-lo controlável, nenhum mortal é capaz de domar um vulcão ou causar sua erupção, e muito menos dispor sobre um Deus que escolhe soberanamente esse monte como lugar de sua aparição”.

O culto que agrada a Deus não deve ser movido por nenhum propósito pré-determinado exceto o de que Seu Nome seja glorificado. Seu mover será sempre uma possibilidade, seja em cura ou conversão, mas nunca uma necessidade. O essencial não é saber que Deus está aqui, mas se eu estou Nele, pois Deus se faz presente em todos os lugares.

domingo, 21 de julho de 2013

DÍZIMO, SEGREDO DO SUCESSO?



Recentemente tenho visto algumas pessoas postando na internet um vídeo que diz ser o jogador Neymar dizimista desde criança. O vídeo se encontra no youtube. A conclusão é que isto seria o segredo de todo seu sucesso como jogador de futebol. Tá bom!

Antes de qualquer coisa, quero dizer que Neymar é abençoado por uma habilidade futebolística diferenciada. Isto se chama Graça Comum, que nada mais é que a bondade de Deus distribuída para todas as pessoas podendo ser identificada na realização de alguma admirável atividade. Por exemplo: quando ouvimos belas canções, como a 9ª Sinfonia de Beethoven, Tom Jobim e outros, ou mesmo ao assistirmos uma apresentação da bailarina Ana Botafogo, ou presenciamos grandes feitos da humanidade temos que enxergar em tudo isto o agir do nosso grande e Todo Poderoso Deus.

Na verdade, a conclusão que muitos estão tirando do vídeo constitui um grotesco erro tanto bíblico quanto teológico. Por uma falta de entendimento da natureza de Deus e do real sentindo de seus mandamentos, muitos inferem que a declaração de Malaquias 3.10 se aplica como uma verdade independente dos demais versículos bíblicos. Logo, quem dizima, independentemente de sua conduta moral, seria abençoado por Deus.

No entanto, em nenhum lugar da Bíblia encontraremos o ensino – hoje tão difundido – de que a simples entrega do dízimo acarretará em bênçãos para a pessoa. Deus, antes de exigir a entrega de parte do que Ele nós dá, nos ordena a entregarmos por completo as nossas vidas ao Seu inteiro cuidado. Precisamos primeiro ser aceitos por Deus, para em seguida Ele aceitar aquilo que nós ofertamos. Em Gn. 4.5 a Bíblia diz que Deus, por não ter aceitado a conduta de Caim, recusou também sua oferta. Veja que no versículo 4 Deus primeiro aceitou Abel e logo em seguida diz que sua oferta foi aceita. Davi, no Sl. 51.16,17 diz que Deus não se agrada de sacrifícios, mas de um coração arrependido dos seus pecados. Quando isto se faz presente na vida de uma pessoa, o salmista diz que Deus aceitará suas ofertas (Sl. 51.19).

Em relação ao texto de Ml. 3.10, precisamos entender esta declaração com o todo do livro. Assim como as palavras só podem ter sentido em uma frase, um versículo da Bíblia só terá significado em seu próprio contexto literário.

Deus não somente exigiu no livro de Malaquias a entrega do dízimo. Em Ml. 1.6-14 o povo oferecia constantemente sacrifícios impuros durante o culto, o que constituía numa afronta a santidade de Deus. Deus ordena, com isto, que o culto ao Seu nome deveria ser santo. Em Ml. 2.1-9 os sacerdotes passaram a ser negligentes em suas funções durante o culto. Como resposta, Deus exige mudança e um retorno ao correto ensino de Sua Palavra.

Já em Ml. 2.10-16 havia se tornado normal a infidelidade conjugal diante da prática costumeira do divórcio. Encontramos aqui Deus exigindo uma vida conjugal moldada pelos padrões da Escritura Sagrada. Ml. 2.17-3.5 é dito que o povo acusou Deus de ser imoral ao afirmar que Ele se agradava com os que praticavam o mal. Neste ponto, Deus informa que purificaria Seu povo e traria juízo aos que não mudassem de conduta. Somente depois te todas essas exigências é que Deus fala em Ml. 3.10 que o povo deveria entregar os dízimos, pois estavam demonstrando infidelidade também, e não somente, no aspecto financeiro. A fidelidade na entrega dos dízimos fazia parte de um todo maior, neste caso, fidelidade a Deus em todas as áreas da vida.

A máxima de tudo isto é: Deus se relaciona com o ofertante e não com ofertas ou dízimos. Logo, se não estamos dispostos a entregar nossas vidas, não terá nenhum sentido dedicarmos parte de nossa renda.